NEUROQUÍMICA
Uma das áreas de pesquisa da química é a neuroquímica: a ciência que
estuda a relação entre a estrutura química de certas moléculas e
suas atividades no Sistema Nervoso Central (SNC). Como são
transmitidos os impulsos nervosos? Como a informação é armazenada? O
que são os neurotransmissores? Como é uma sinapse?
O
sistema nervoso, juntamente com o sistema endócrino, é responsável
pela maioria das funções do controle do organismo. O SNC pode ser
comparado a um supercomputador, capaz de processar um número enorme
de bits de informação, provenientes de diferentes órgãos sensoriais
e, então, determinar a resposta a ser executada pelo organismo. Já
falamos sobre os receptores sensoriais, no artigo sobre os
quimiossensores) O modo de transmissão entre os
neurônios, no cérebro, não é elétrico, e sim carreado por
neurotransmissores, substâncias químicas neuroativas liberadas no
lado pré-sináptico da junção entre dois neurônios, a sinapse.
De
toda a informação enviada pelos órgãos sensoriais, apenas 1% produz
uma resposta do organismo: uma das principais funções do SNC é
filtrar as informações que chegam - na verdade, 99% são simplesmente
descartadas.
A
sinapse é o ponto de contato entre um neurônio e o seu
vizinho - um local próprio para a transmissão de sinais. Na sinapse,
um neurônio (o pré-sináptico) libera neurotransmissores, que
viajam pelo meio intercelular, até os receptores sinápticos do
neurônio seguinte (o pós-sináptico), desencadeando um
potencial de ação no segundo neurônio. Os receptores são, na
verdade, proteínas situadas na membrana celular do neurônio, que
interagem com o neurotransmissor, provocando uma alteração
conformacional em algumas regiões da membrana (como canais de sódio
ou cloro). Isto produz uma polarização ou despolarização da membrana
celular deste neurônio - é o impulso elétrico gerado por uma sinapse
química!
No curso de química, estudamos equilíbrio em
soluções iônicas, mobilidade de íons, surfactantes em
solução e proteínas; se olhássemos de perto o que
acontece em uma sinapse, veríamos exemplos práticos de
todos estes conceitos assimilados em sala de aula.
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A
fenda sináptica tem,
em
geral, cerca de 250 angstrons. Os terminais pré-sinápticos são
regiões do neurônio ricas em duas estruturas internas importantes:
as mitocôndrias e as vesículas sinápticas. As
vesículas são pequenas "bolsas" que carregam os neurotransmissores.
Um estímulo químico ou elétrico pode causar a migração das vesículas
para a membrana e consequente liberação dos neurotransmissores na
fendas sináptica.
O transmissor tem de ser sintetizado com extrema rapidez, porque a
quantidade armazenada pelas vesículas só é suficiente para durar
alguns minutos! A produção de neurotransmissores a partir de seus
precursores torna-se possível pela presença de enzimas específicas,
a custa de um dispêndio de energia, fornecida pelo ATP. Daí a
importância das mitocôndrias, responsáveis pela produção do ATP!
Chave
& Fechadura
Uma vez na fenda sináptica, as moléculas do neutotransmissor têm
acesso aos sítios receptores, situados em moléculas da membrana
pós-sináptica e também da pré-sináptica. Tais sítios têm uma
estrutura molecular particular que lhe permite reconhecer a molécula
do transmissor, assim como uma fechadura reconhece sua
chave (o modelo é chamado de lock and key). A combinação
do neurotransmissor com os receptores da membrana pós-sináptica
produz uma alteração de sua configuração espacial ou deformação do
receptor. Essa alteração conformacional faz com que o receptor abra
canais iônicos específicos, modificando rapidamente a polaridade
elétrica da membrana; alternativamente, ativam enzimas formadoras de
mensageiros químicos no citoplasma do neurônio pós-sináptico, que
por sua vez provocam alterações mais lentas e persistentes das
propriedades elétricas da membrana neuronal ou, ainda, modificam a
velocidade de reações químicas no citoplasma desse neurônio,
alterando o seu funcionamento.
Drogas psicotrópicas
Algumas
drogas com ação no SNC possuem uma estrutura química semelhante a de
um neurotransmissor, podendo, então, se ligar ao sítio receptor. Na
animação, note como todas as moléculas possuem alguns grupos
"chaves" para a associação com o receptor.
Neurotransmissores
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São substâncias liberadas quando o terminal do axônio de um
neurônio pré-sináptico é excitado. Estas substâncias, então,
viajam pela sinapse até a célula alvo, inibindo-a ou
excitando-a. Existem cerca de 30 neurotransmissores
conhecidos, que se dividem em 4 classes:
Acetilcolina
Classe 1: Acetilcolina
Acetilcolina é um éster, e é o único
neurotransmissor desta classe. ACh foi primeiramente isolada
em 1914 por Otto Loewi, um fisiologista alemão, que ganhou o
Nobel em 1936. Loewi demonstrou que ACh é a substância
liberada quando o nervo vago é estimulada, causando a
diminuição dos batimentos cardíacos. É um neurotransmissor
em muitos vertebrados, e, nos humanos, está associado como
os processos de memória e aprendizagem.
Classe 2: Aminas
Norepinefrina
Adrenalina (ver artigo)
Dopamina
Além de ser um precursor para a síntese da norepinefrina,
atua como um neurotransmissor em certas sinapses, regulando
canais de potássio e cálcio na membrana pós-sináptica.
Distúrbios nestas sinapses estão relacionados com o Mal de
Parkinson e a esquizofrenia.
Serotonina
(5-hidroxitriptamina, 5HT) Parece ser um dos
mais importantes neurotransmissores: alterações no nível de
5-HT estão relacionadas com variações no padrão de
comportamento, como o sono, os impulsos sexuais, humor,
entre outros. Além do cérebro, está presente em vários
órgãos no corpo humano, e é um potente vasoconstrictor.
Classe 3: Aminoácidos
Vários aminoácidos existem em grandes
concentrações no cérebro. Como muitos são precursores e/ou
metabólitos de muitas reações no cérebro, fica difícil saber
se são ou não neurotrasmissores. Alguns, entretanto,
comprovadamente possuem neuroatividade, inibindo ou
excitando a membrana pós-sináptica. Entre eles, os exemplos
abaixo:
Gama-aminobutírico (GABA)
Glicina
Glutamato
Classe 4: Peptídeos
Alguns peptídeos (macromoléculas formadas por
uma dada sequência de aminoácidos) são, também,
neurotransmissores. Entre estes
a
Insulina, que
além de ser um hormônio também é um
neurotransmissor.
E outros peptídeos, como a endorfina e a
oxitocina. |
A Memória
O armazenamento de informação pelo cérebro é chamado de
memória, sendo também função da sinapse. Cada vez que um
determinado impulso sensorial particular passa através de uma
sequência de sinapses, essas sinapses tornam-se mais capazes de
transmitir o mesmo impulso da próxima vez, processo este conhecido
como facilitação. Após o impulso sensorial ter passado
através da sinapse um grande número de vezes, as sinapses tornam-se
tão facilitadas que os impulsos gerados dentro do próprio encéfalo
também podem causar transmissão de impulsos através da mesma
sequência de sinapses, mesmo sem a entrada de estímulo sensorial.
Isto dá a pessoa a sensação de experimentar a situação original,
embora, na realidade, se trate apenas da memória daquela
sensação.
O receptor químico
da Felicidade
O que o chocolate, a maconha, ratos com
amnésia e porcos felizes tem em comum?
A planta
cannabis, mais precisamente o THC, possui um efeito sobre o sistema
nervoso central peculiar. O chocolate, embora em menor intensidade,
também apresenta efeitos semelhantes no SNC.
Ambos são capazes de aliviar a ansiedade e induzir a uma situação de
tranquilidade e relaxamento. Pesquisadores do
Neurosciences Institute de San Diego
publicaram
um artigo na revista Nature (Piomelli et al., Nature,
382, 677-8,1996), mostrando que as substâncias neuroativas presentes
no chocolate se ligam, no SNC, aos mesmos receptores que o
THC. Estas substâncias são chamadas de anandamidas,
que
são produzidas naturalmente no SNC, e se ligam ao receptor do
prazer. O araquidonil etanolamida, mais tarde chamado de anandamidas,
foi primeiramente isolado pelo químico israelense Raphael Mechoulam,
em 1992.
Um
artigo publicado na revista Science, por Derkinderen
e colaboradores, (Science, v. 273, 5282, Sept 20 1996),
apresentou evidências bioquímicas, em testes com ratos, de que as
anandamidas estão associadas a "quebra" de certas sinapses, isto é,
tem efeito negativo sobre o aprendizado e a memória. Um trabalho do
departamento de agricultura dos EUA (USDA) indicou o uso de
anandamida como sedativo natural para suínos: uma tentativa de
aliviar a situação de stress para o porco, evitar lutas, aumentar o
apetite e reduzir os movimentos do animal. Ratos desmemoriados e
porcos felizes...
A membrana do neurônio
A membrana plasmática de um neurônio
é semipermável: altamente permeável aos íons K+ e
fracamente permeável aos íons Cl- e íons Na+.
No fluído extracelular, a eletroneutralidade é preservada por
um balanço entre uma alta [Na+] e uma alta [Cl-],
assim como pequenas quantidade de íons como bicarbonato, fosfato,
sulfato e outros. No citoplasma, onde a [K+] é alta, a
[Cl-] é muito menor daquela necessária para balancear a
soma das cargas positivas. A eletroneutralidade é, então, mantida
por proteínas negativamente carregadas que interagem com a membrana
citoplasmática. Um balanço osmótico é mantido entre o
citoplasma e o líquido extracelular.
Estas
propriedades: a pressão osmótica, a eletroneutralidade de cada lado
da membrana, semipermeabilidade, criam um potencial elétrico de
equilíbrio no qual a parte interna da membrana é mais negativa que a
parte externa, chamado de potencial de membrana, que varia entre -60
a -75 mV (o sinal negativo indica que a parte interior da membrana é
negativa). Neste estado, o neurônio é dito estar polarizado. O
neurônio pode ser hiperpolarizado (potencial mais negativo) ou
despolarizado (potencial menos negativo).
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