Você ataca todos os
pãezinhos de alho no churrasco de domingo? Trata seu
resfriado com um delicioso chá de alho? Tempera todos os
pratos com esse condimento? Sejam quais forem as suas
respostas, saiba que o alho (Allium sativum) é um
tempero utilizado pela humanidade há quase 5.000 anos.
No entanto, apesar de o seu sabor ardente fazer sucesso,
até hoje não se sabia como ele atuava no paladar humano.
Cientistas da Universidade da Coréia, da Fundação de
Pesquisa Novartis e do Instituto de Pesquisa The Scripps,
porém, acabam de identificar que a alicina, um composto
de enxofre encontrado no alho, de aroma intenso e
característico, ativa terminações nervosas presentes na
boca relacionadas à sensação de dor.
A alicina, composto
presente no alho, ativa terminações nervosas da boca
ligadas à sensação de dor.
Na boca, além de células gustativas, responsáveis por
detectar os sabores, existem também neurônios que
possuem em suas membranas canais protéicos chamados TRP
– sigla em inglês para o termo transient receptor
potential
– que são sensíveis a estímulos externos, como calor,
frio e determinados compostos químicos. Sob ação deles,
os TRPs promovem o transporte de cátions – íons com
carga positiva – de fora para dentro das terminações
nervosas da boca e, com isso, geram impulsos nervosos.
No cérebro, os sinais são traduzidos como sensações de
dor. “Experimente, por exemplo, colocar uma pedra de
gelo na boca”, sugere o professor Joab Trajano Silva, do
Departamento de Bioquímica da Universidade Federal do
Rio de Janeiro. “A ardência sentida é gerada pela
estimulação de uma classe de TRP responsável por
detectar frio intenso”.
No caso do alho, o
estudo publicado na revista Current Biology revelou que
uma substância chamada alicina é responsável pela
ativação de dois desses canais protéicos: TRPV1 e TRPA1,
encontrados em alguns neurônios presentes nos lábios e
na língua, e que estão ligados ao reconhecimento do
calor e frio intensos, respectivamente. A alicina
estimula estes canais e gera a sensação de dor e
ardência. “É somente uma sensação. A temperatura da
boca, na realidade, não se eleva”, afirma Trajano. Essa
reação talvez atue como mecanismo de defesa do alho,
para manter afastadas outras espécies, como carrapatos,
mosquitos e minhocas. No entanto, nos humanos, é ela que
atrai milhões de fãs “masoquistas” por todo o mundo.
Cozido ou frito, o alho perde boa parte de sua ardência,
pois a alicina é convertida em outros compostos de
enxofre.
O alho possui renome
na medicina popular. Credita-se a ele funções como
desintoxicação, regulação do organismo, aumento da
imunidade e o combate e a prevenção de doenças e
infecções, como hepatite e câncer gástrico. Originário
da Ásia central, conta-se que era consumido pelos
escravos egípcios durante a construção da pirâmide de
Queóps para aumentar a imunidade e melhorar o rendimento
físico. Foi estudado na Antiguidade por Hipócrates e
Louis Pasteur, já no século 19, identificou suas
qualidades anti-sépticas, aproveitadas na Primeira
Guerra Mundial. Apesar disso, a maioria das propriedades
medicinais do tempero ainda não são comprovadas
cientificamente.