PROFESSOR

PAULO CESAR

PORTAL DE ESTUDOS EM QUÍMICA
 

DICAS PARA O SUCESSO NO VESTIBULAR: AULA ASSISTIDA É AULA ESTUDADA - MANTER O EQUILÍBRIO EMOCIONAL E O CONDICIONAMENTO FÍSICO - FIXAR O APRENDIZADO TEÓRICO ATRAVÉS DA RESOLUÇÃO DE EXERCÍCIOS.

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Módulo II

A visão “clássica” da ligação covalente

Aula 3: Eletronegatividade de Pauling e o caráter iônico das ligações químicas

 

Metas

bullet

Definir carga formal e ressonância.

bullet

Definir eletronegatividade e caráter iônico das ligações covalentes.

bullet

Discutir comprimento de ligação e energia das ligações covalentes.

 

Objetivos

  1. Calcular as cargas formais em estruturas de Lewis.

  2. Determinar as formas contribuintes de um híbrido de ressonância.

  3. Definir eletronegatividade.

  4. Calcular a porcentagem de caráter iônico em ligações covalentes.

  5. Reconhecer a diferença entre carga formal e número de oxidação formal.

 

Índice

1. Introdução

2. Cargas formais e ressonância

2.1. Cargas formais

3. Energia de dissociação e comprimento da ligação covalente

4. Eletronegatividade de Pauling e o caráter iônico das ligações covalentes

4.1. Eletronegatividade

4.2. Caráter iônico das ligações covalentes

4.3. Carga formal e estado de oxidação formal

 

1. Introdução

O conceito de valência está no cerne de toda teoria de ligação química. Na literatura em Química, o termo valência adquire significados ligeiramente distintos, mas, em todos eles, valência é associada ao poder de combinação de um determinado átomo. Químicos do século XIX consideravam a valência de um elemento como sendo igual ao número de átomos ligados a ele. Por essa definição, a valência do carbono é quatro no metano (CH4), mas seria igual a três no formaldeído (H2C=O). Atualmente, valência é associada ao número de pares de elétrons que um determinado átomo compartilha com outros átomos numa estrutura química. Em 1919, Langmuir cunhou o termo “covalência” para esta última definição de valência. Perceba que a segunda definição de valência se aproxima mais da idéia do que pode ser chamado de poder (ou força) de combinação de um átomo.

Pela definição de valência mais usada hoje em dia, o carbono é tetravalente tanto no CH4 como no H2C=O. Experimente desenhar as estruturas de Lewis para ambas as moléculas.

O termo valência também tem sido usado para expressar o estado de oxidação formal de um determinado elemento (principalmente metal de transição em compostos de coordenação). Por exemplo, no complexo NiCl42-, o estado de oxidação formal do níquel é Ni2+; conseqüentemente, o níquel é dito divalente, embora existam quatro ligações covalentes Ni-Cl. No CH4, o número de oxidação formal do carbono é -4, enquanto no H2C=O, o número de oxidação formal do carbono é zero. Mas você sabe que o carbono é tetravalente em ambos os compostos, ou seja, forma quatro ligações químicas..

Em Química Orgânica, a associação entre valência e estado de oxidação não é bem-vinda.

Na aula passada, você estudou o procedimento geral adotado na construção de uma estrutura de Lewis. As estruturas de Lewis fornecem claramente a valência ou a covalência (se assim preferir) de um determinado átomo. A partir desta terceira aula até o final do Módulo II, você vai estudar quais informações eletrônicas e estruturais podem ser obtidas de uma estrutura de Lewis. É importante relembrar que toda informação acerca da reatividade de uma molécula se encontra em sua estrutura química, que é definida pela posição relativa dos átomos (estrutura molecular) e pela distribuição de elétrons (principalmente elétrons de valência, já que esses são responsáveis pelas ligações químicas) na molécula.

Você pôde perceber, nas duas aulas passadas, que uma das questões fundamentais mais importantes em Química diz respeito aos tipos de “forças de ligação (ou coesão)” que mantêm átomos unidos numa estrutura química. No caso dos sais – compostos com propriedades eletrolíticas em solução – as forças de coesão exibem natureza eletrostática. Já nas moléculas, de acordo com a teoria de valência de Lewis, os átomos se conectam a partir do compartilhamento de elétrons, de maneira a completar oito elétrons em suas camadas de valência. Apesar de ser um critério importante na formação de moléculas de elementos representativos, a regra do octeto não é sempre respeitada. Moléculas estáveis com átomos centrais exibindo octeto contraído (por exemplo: BeCl2, BCl3, H3BO3, etc) ou expandido (por exemplo: PCl5, SF4, SF6 etc.) são bastante comuns.

Sugestão: desenhe as estruturas de Lewis para essas moléculas.

A natureza da ligação covalente não pode ser plenamente compreendida usando apenas conceitos físicos clássicos. Com efeito, a Física clássica não consegue explicar satisfatoriamente a necessidade de dois átomos em compartilhar elétrons. Pode-se então dizer que a formação de uma ligação covalente é um fenômeno puramente quântico. A primeira tradução quanto-mecânica da ligação covalente foi publicada por Heitler e London em 1927. Esse trabalho deu origem ao ramo da ciência conhecido como Química Quântica.

Pela teoria de valência de Lewis, os elétrons numa molécula estão localizados entre os átomos (elétrons ligados) e também ao redor dos centros atômicos (elétrons não-ligados ou isolados). O modelo de ligação química de Lewis é um modelo localizado. Ou seja, uma ligação covalente é descrita por um par de elétrons localizado estritamente na região entre os dois núcleos (região internuclear) e os pares de elétrons isolados (não compartilhados) estão localizados nos átomos. Entretanto, existem diversas moléculas ou íons poliatômicos que não devem ser representados por uma única estrutura de Lewis. Para esses casos, Pauling introduziu o conceito de ressonância. A ressonância entre estruturas "localizadas" (Lewis) deve ser considerada quando uma única estrutura de Lewis é incapaz de representar graficamente a estrutura química exata da espécie em questão. A estrutura exata é aquela que pode ser obtida ou inferida a partir de dados experimentais.

Nesta terceira aula, você vai ver como representar a estrutura de um híbrido de ressonância e como atribuir as cargas formais dos átomos nas estruturas ressonantes (formas contribuintes). Não se esqueça de que a ressonância proposta por Pauling não tem significado físico bem definido; ela é apenas um modelo para representar graficamente, usando estruturas de Lewis, os casos nos quais as ligações não devem ser descritas de maneira estritamente localizada, ou seja, a partir de uma única estrutura de Lewis.

Noutra parte da aula, você vai ler um pouco mais sobre a estabilidade das ligações covalentes e vai analisar quantidades importantes associadas a uma ligação química, como comprimento de ligação e energia de ligação (ou dissociação).

No final da aula, é dada ênfase ao conceito de eletronegatividade e à idéia de caráter iônico de uma ligação covalente. Você vai estudar a escala de eletronegatividade de Pauling e ver como ela pode ser usada na estimativa da quantidade de caráter iônico de uma ligação covalente.

 

2. Cargas formais e ressonância

2.1. Cargas formais

A estrutura de Lewis de uma molécula não está completa sem a atribuição das cargas formais dos átomos. As cargas formais são atribuídas considerando que as ligações químicas sejam 100% covalentes (sem caráter iônico). Exceto para moléculas diatômicas homonucleares, as cargas formais não são, de fato, cargas “reais”.

As cargas formais são calculadas assumindo que o par de elétrons numa ligação química seja compartilhado igualmente entre os dois átomos, independentemente de suas eletronegatividades. A carga formal de um átomo pode ser calculada pela diferença entre o número de elétrons de valência do átomo e o número de elétrons que permaneceria nesse átomo caso os átomos ligados a ele fossem removidos homoliticamente (um elétron para cada átomo). Alguns livros trazem uma expressão matemática para o cálculo das cargas formais:

Carga formal = [no de elétrons de valência] – [½ (no total de elétrons compartilhados)] – [no de elétrons isolados]

Muitos autores propõem que as cargas formais surgem da formação de ligações “dativas”. Usando o procedimento geral para o desenho de estruturas de Lewis (que você viu na Aula 2) e a expressão matemática para o cálculo das cargas formais, não há necessidade de lançar mão da idéia de ligação dativa para atribuir cargas formais. Veja os exemplos da tabela a seguir:

Fórmula molecular

Estruturas de Lewis e cargas formais

NH4+

CN-

BF4-

CO

Para diferenciar estados de oxidação de cargas formais, estas últimas são escritas dentro de círculos. Na ausência de indicação, a carga formal do átomo é zero.

Tente você mesmo construir as estruturas mostradas na tabela acima. Depois, faça a atribuição das cargas formais usando a expressão fornecida. Perceba que o resultado líquido da soma das cargas formais é sempre igual à carga total da molécula ou do íon poliatômico.

Considere o exemplo do ânion tetrafluorborato (BF4-). Neste caso, a carga formal (CF) do boro [CF(B)] e de cada átomo de flúor [CF(F)] são iguais a:

CF(B) = 3 – [½ (8)] – 0 = -1.

CF(F) = 7 – [½ (8)] – 6 = 0.

Perceba que só é possível calcular e atribuir as cargas formais após o desenho das estruturas de Lewis.

 

2.2. Ressonância

Muitas moléculas e íons poliatômicos não devem ser representados adequadamente por uma única estrutura de Lewis. Para esses casos, Pauling introduziu o conceito de ressonância. Considere o exemplo do íon nitrato (NO3-).

Construção da estrutura de Lewis para o íon NO3-

1ª Etapa: arranjar os átomos periféricos simetricamente ao redor do átomo central.

2a Etapa:

N (grupo 15): 5 elétrons de valência;
3 x O (grupo 16): 3 x 6 elétrons de valência;
+ 1
elétron da carga do ânion.
Total
: 24 elétrons de valência (ou 12 pares de elétrons).

3a Etapa: ligar os átomos com uma ligação covalente.

4a Etapa: completar o octeto dos átomos periféricos.


Todos os 12 pares de elétrons já foram usados e o octeto do nitrogênio ainda está incompleto. É necessária a formação de uma ligação dupla N-O, mas com qual átomo de oxigênio, se os três são equivalentes?

Existe, portanto, a possibilidade de três estruturas de Lewis equivalentes para o íon NO3-:

As estruturas (a), (b) e (c) são chamadas formas contribuintes (formas ressonantes ou formas canônicas); elas são separadas por uma seta de duas pontas. Elas NÃO têm qualquer significado físico isoladamente. Muito menos o íon nitrato é uma mistura dessas três formas, nem elas estão equilíbrio. Como você sabe, o equilíbrio entre compostos químicos é indicado por duas setas reversíveis: Û .

A ressonância deve ser entendida como um modelo para que se possa, ainda mantendo a visão “localizada” de Lewis, expressar o fato experimental de todas as ligações N-O serem iguais no nitrato, por exemplo.

Alguns químicos consideram que a ressonância entre estruturas de Lewis é uma maneira de representar uma possível “deslocalização” eletrônica na molécula. Eu prefiro não afirmar que deslocalização de elétrons e ressonância de Pauling sejam equivalentes. Mas isso é uma outra conversa!

Pelo modelo de ressonância de Pauling, o íon NO3- é considerado um híbrido de ressonância. Experimentalmente, sabe-se que as ligações N-O no nitrato são equivalentes, isto é, apresentam os mesmos comprimentos. Para expressar numericamente tal equivalência entre as ligações, dentro do modelo de ressonância, cunhou-se o termo ordem de ligação (O.L.). Por definição, O.L. é igual ao número de pares compartilhados dividido pelo número de átomos periféricos, e só faz sentido se determinada para cada par de átomos ligados. Por exemplo: considerando o conjunto (ou a superposição) das três formas ressonantes do íon nitrato, as três ligações N-O são iguais, existem quatro pares de elétrons sendo compartilhados e três oxigênios periféricos; logo, a O.L. (N-O) = 4/3. Se você preferir, também pode escrever que a O.L. (N-O) é 1+1/3.

Existem ainda discussões a respeito do significado físico de uma O.L. fracionada. Você não pode perder de vista que a O.L., no modelo de ressonância, é apenas um número (com significado físico ainda questionável) obtido a posteriori de um esquema criado para expressar a equivalência de ligações químicas em híbridos de ressonância.

Acima de tudo, você deve considerar que o modelo de ressonância leva à descrição da equivalência de todas as ligações N-O no nitrato, o que não ocorreria se apenas uma estrutura de Lewis fosse considerada. Você também pode considerar que a estrutura química exata do nitrato (aquela obtida a partir de dados experimentais) seria estimada pela combinação linear (ou sobreposição) das suas três formas contribuintes.

Para uma ligação simples, O.L. = 1; para uma dupla, O.L. = 2; e para uma tripla, O.L. = 3. Em estruturas de Lewis, ordens de ligação fracionadas são possíveis apenas em híbridos de ressonância. A maior parte dos químicos relaciona O.L. fracionada à existência de “deslocalização” de elétrons na molécula como um todo, embora não exista nenhum aspecto dentro do modelo de ressonância de Pauling que associe esses conceitos (ressonância e deslocalização de elétrons). Na minha opinião, dizer, por exemplo, que no nitrato a O.L. (N-O) = 4/3 significa apenas dizer que todas as ligações N-O são iguais. Só isso! Você pode ficar surpreso, mas esse assunto (ressonância x deslocalização eletrônica) é bastante polêmico e ainda leva a debates calorosos na comunidade científica.

Existe um critério para determinar se uma forma contribuinte realmente contribui para a correta descrição da estrutura eletrônica de um híbrido de ressonância?

A resposta é: sim, e o critério é chamado Princípio da Eletroneutralidade de Pauling. Esse princípio afirma que os elétrons devem ser distribuídos numa molécula de maneira que a carga residual (ou carga formal) de cada átomo seja zero ou o mais próximo possível de zero. Além disso, deve-se considerar, quando possível, que as cargas formais negativas fiquem preferencialmente nos átomos mais eletronegativos (por exemplo: F, O, N, Cl, Br, etc.). Só para lembrar: eletronegatividade é o tema da próxima seção.

Considere o exemplo do íon sulfito, SO32-. Experimentalmente, todas as ligações S-O neste ânion são equivalentes. Oito formas contribuintes podem ser desenhadas para o sulfito. São elas:

Pelo Princípio da Eletroneutralidade, apenas as estruturas de Lewis do tipo (b) devem, de fato, contribuir para o híbrido de ressonância. Nessas formas, as cargas formais nos átomo são as menores possíveis: o átomo de enxofre tem carga zero e cada oxigênio tem 2/3 de carga negativa. Além disso, a carga negativa está no elemento mais eletronegativo, o oxigênio. Considerando essas três formas contribuintes, a O.L. (S-O) no sulfito é igual a 1+1/3.

Uma aplicação bastante familiar do conceito de ressonância se deu na tentativa de explicar o fato experimental de as seis ligações C-C do benzeno (C6H6) serem equivalentes. Seis formas de ressonância [estruturas de Kekulé (a e b) e de Dewar (c-f)] podem ser propostas para o benzeno:

As formas ressonantes de Kekulé (a e b) (propostas muito antes de Pauling desenvolver seu conceito de ressonância) são as mais aceitas para descrever a ressonância no benzeno.

ATIVIDADE I

  1. Desenhe as formas contribuintes para o íon nitrito (NO2-). Não se esqueça de atribuir as cargas formais aos átomos. Calcule a ordem de ligação N-O no nitrito.

 

3. Energia de dissociação e comprimento da ligação covalente

A molécula de hidrogênio (H2) é uma das moléculas mais simples que existem, de sorte que é o melhor ponto de partida para ilustrar as forças envolvidas na interação covalente entre dois átomos. A Figura 1 traz uma curva de energia potencial (Ep)[energia potencial total x distância internuclear (ou interatômica)] que mostra a variação de energia quando da formação da molécula de H2.

Figura 1. Curva de energia potencial para o H2 (1nm = 10-9 m).

Considere o valor de Ep = 0 como sendo a energia potencial de dois átomos de hidrogênio isolados (sem interação covalente).

Acompanhando a Figura 1, observe que quando os átomos de H estão separados a uma grande distância, praticamente não existe interação eletrostática entre eles, e a energia total é dada pela soma das energias dos átomos isoladamente (Ep = 0). Ao se aproximarem (caminhando para a esquerda no gráfico), passam a agir mais intensamente as forças de atração entre o núcleo de um átomo e o elétron do outro átomo. Simultaneamente também crescem, em menor proporção, as forças de repulsão entre os núcleos e também entre os elétrons dos dois átomos. A predominância das forças de atração faz com que os átomos se aproximem cada vez mais, diminuindo a energia potencial do sistema (representada pela ordenada do gráfico), até que a energia potencial atinja o seu valor mínimo (“poço” de energia potencial). Nessa situação, há um equilíbrio entre as forças de atração e repulsão, resultando numa distância internuclear de maior estabilidade (distância internuclear de equilíbrio).

A existência de um “mínimo” de energia numa curva de energia potencial para uma molécula caracteriza uma situação de maior estabilidade (menor energia) que os átomos isolados. Em outras palavras, um poço de energia potencial representa um estado ligado. Nesse ponto, é considerada a formação de uma ligação química.

No caso do H2, o poço de potencial se relaciona à situação de compartilhamento de dois elétrons de valência, levando à formação de uma ligação simples [(mais tarde chamada de ligação sigma (σ)]. A molécula de H2 como um todo adquire configuração eletrônica semelhante à do elemento He.

Caso ocorresse uma maior aproximação entre os átomos de hidrogênio (mais à esquerda do poço de potencial – Figura 1), haveria aumento súbito de energia potencial do sistema e diminuição da estabilidade da molécula. Nessa região, as forças de repulsão elétron-elétron e principalmente núcleo-núcleo seriam predominantes, levando a um aumento drástico de energia potencial, desestabilizando o estado ligado e destruindo a molécula.

O equilíbrio entre as forças de atração e repulsão na aproximação de dois átomos é caracterizado pela presença de um poço de energia na curva de potencial do sistema. Nesse ponto, a estabilidade da ligação covalente é máxima. Para um sistema ligado, o gráfico de Ep x distância internuclear fornece o comprimento (abscissa) e a energia (ordenada) da ligação covalente.

Na formação de uma ligação química, o sistema formado de dois núcleos e dois elétrons atinge uma estabilidade muito maior que a de dois átomos isolados; portanto, há liberação de energia (processo exotérmico). Para separar (dissociar) os átomos ligados, é necessário o fornecimento da mesma quantidade de energia liberada na formação da ligação (processo endotérmico). Define-se então energia de dissociação (Edis): é a energia necessária para que seja rompido (homoliticamente) 1 mol de ligações covalentes entre dois átomos. Para o H2:

H••H + Edis (= 432 kJ/mol) ® 2 H·

A maior parte dos valores de Edis tabelados é de energias necessárias para romper as ligações à temperatura de zero K. É importante chamar sua atenção para o fato de que, no poço de energia potencial, a 0 K, o sistema exibe uma energia chamada energia vibracional do ponto zero. Clique aqui para saber mais. É por isso, por exemplo, que a Edis da ligação H-H é 432 kJ/mol e não 458 kJ/mol, como sugere a Figura 1. A Tabela 1 lista valores de distância de ligação e energia de dissociação para algumas ligações químicas.

Tabela 1. Energias de dissociação (Edis) e distâncias (d) de ligação.*

Ligação

O.L.

d (Å = 10-10m)

Edis (kJ/mol)

H-H

1

0,74

432

C-H

1

1,09

411

C-C

1

1,54

346

C=C

2

1,34

602

CºC

3

1,20

835

C-N

1

1,47

305

C=N

2

1,29#

615

C-O

1

1,43

358

C=O

2

1,20

799

N-O

1

1,40

1,40

N=O

2

1,21

1,21

N=N

2

1,25

418

NºN

3

1,1

942

Fonte: J.E. Huheey et al., Inorganic Chemistry, 4th. ed., 1993.* Com exceção das ligações H-H e NºN, todos os valores de d e Edis fornecidos são valores médios.#
Fonte: http://chemviz.ncsa.uiuc.edu/content/doc-resources-bond.html.

A análise da Tabela 1 sugere que, para cada par de átomos ligados, quanto maior a ordem de ligação (O.L.), menor é o comprimento de ligação e maior é a energia de dissociação, isto é, mais forte é a ligação. Então, quanto maior o número de pares compartilhados, mais estável é a ligação química e mais difícil é a dissociação dos átomos? Isso mesmo!!!

A característica fundamental da ligação covalente é o compartilhamento de um par de elétrons entre átomos com tendências semelhantes para receber elétrons – átomos com eletronegatividades semelhantes ou iguais. Você vai ver na próxima seção o que significa o termo “eletronegatividade”.

As estruturas formadas “predominantemente” por ligações covalentes são chamadas de moléculas. É particularmente admirável o papel dessas ligações na Química Orgânica, haja vista a habilidade do carbono em formar quatro ligações químicas e, a partir daí, construir estruturas de variado grau de complexidade. A interação covalente também é importante na ligação química entre metais e ametais. Embora o estudo da natureza da ligação covalente entre metais e ametais seja fascinante, está fora do escopo desta disciplina.

ATIVIDADE II

  1. Considere as curvas de energia potencial para o dioxigênio (O2).

Figura 2. Curvas de energia potencial para diferentes estados eletrônicos da molécula de O2.

Analisando a primeira curva de baixo pra cima, classifique as afirmativas a seguir em verdadeiras ou falsas:

  1. A energia potencial sempre diminui na formação da ligação química.

  2. A quebra da ligação O-O consome aproximadamente 4x104 cm-1.

  3. O comprimento da ligação O-O na molécula de O2 é maior que 1,5x10-8 cm.

  4. O comprimento da ligação O-O na molécula de O2 é aproximadamente igual a 1,2x10-8 cm (ou 1,2 Å)

 

4. Eletronegatividade de Pauling e o caráter iônico das ligações covalentes

4.1. Eletronegatividade

Pauling (1932) definiu eletronegatividade () como o “poder de um átomo, numa molécula, de atrair elétrons para si”. Pauling desenvolveu seu conceito de eletronegatividade a partir de dados termoquímicos de energia de dissociação; portanto, a escala de eletronegatividade de Pauling é uma escala relativa. Como Pauling dispunha de dados experimentais confiáveis de energia de dissociação apenas para moléculas compostas por elementos representativos, pode-se dizer que os valores de eletronegatividade propostos por Pauling são confiáveis apenas para esses elementos. A Figura 2 traz alguns valores de eletronegatividade de Pauling.

Figura 3. Escala de eletronegatividade de Pauling.

Numa ligação química, a diferença de eletronegatividade () entre os elementos leva a uma polarização da ligação. Em outras palavras, o átomo mais eletronegativo atrai para si o par compartilhado, adquirindo uma carga elétrica parcial negativa () (em unidades atômicas) e o átomo menos eletronegativo adquire carga elétrica parcial positiva () de mesmo valor em módulo. Dê uma olhada no quadro a seguir.


 

Para ligações homonucleares, aquelas nas quais os átomos ligados são iguais, a diferença de eletronegatividade é obviamente igual a zero, levando a uma ligação covalente apolar. Assim, as moléculas diatômicas homonucleares (por exemplo: H2, Cl2, O2, N2, etc.) são apolares. No caso de ligações heteronucleares, em que há diferença de eletronegatividade entre os átomos, a ligação covalente é polar, em virtude da polarização do par de elétrons. Nas Aulas 4 e 5 você vai ver que, dependendo da geometria, uma molécula poliatômica pode ser apolar mesmo sendo composta por ligações covalentes polares.

Existem várias outras escalas de eletronegatividade. Podem ser citadas as escalas de Sanderson, Gordy, Allred-Rochow, Allen, Milliken e Milliken-Jaffé. Algumas delas tendem a ser escalas absolutas, ou seja, a eletronegatividade de um elemento é definida a partir de quantidades específicas do elemento, como potencial de ionização (P.I.) e afinidade eletrônica (A.E.). Um exemplo é a proposta original de Milliken, que definiu eletronegatividade como sendo . Para o propósito desta disciplina, apenas a escala de Pauling é utilizada.

 

4.2. Caráter iônico das ligações covalentes

Juntamente com o desenvolvimento do conceito de eletronegatividade, Pauling propôs a idéia de caráter iônico de uma ligação covalente. Segundo Pauling, a porcentagem de caráter iônico (%C.I.) de uma ligação covalente é dada pela expressão

,

onde  é a diferença de eletronegatividade de Pauling entre os átomos ligados.

 

Qual o valor de  para uma porcentagem de 50% de C.I.?

A resposta é 1,7!

Como?!

Quer dizer que aquela história de >1,7 estar associada com ligação iônica surgiu daí?

Exatamente! O critério que você conhece para determinar o tipo de ligação química a partir da diferença de eletronegatividade surgiu da expressão de %C.I. de Pauling.

Pauling considerou que uma ligação com %C.I.>50% é uma ligação predominantemente iônica. Assim, segundo a proposta de Pauling, uma >1,7 caracterizam uma ligação iônica. Valores de  menores que 1,7 caracteriza uma ligação covalente polar.

 

É possível obter um valor de %C.I. a partir de dados experimentais?

A resposta é sim. A polarização de uma ligação química resulta no surgimento de um momento dipolo elétrico (). Matematicamente, o momento de dipolo elétrico pode ser calculado pelo produto , onde q é a carga dos pólos (em unidades de carga atômica) e d é a distância entre os pólos elétricos. A unidade de momento de dipolo é o Debye (D), em homenagem ao físico Peter Debye.

Uma carga positiva e uma carga negativa, cada uma de módulo igual à carga de um elétron (1,6 x 10-19 C), separadas a uma distância de 1 angstrom (1Å = 10-10m), constituem-se num dipolo elétrico de momento igual a 4,8 D.

esquema

Pauling propôs que a razão entre o momento de dipolo elétrico experimental e o momento de dipolo calculado (supondo que a ligação fosse totalmente iônica) daria a %C.I. real de uma ligação covalente polar.

Considere o exemplo da molécula de fluoreto de hidrogênio, HF. A distância internuclear H-F (dHF) experimental é igual a 0,92 Å. Logo, o momento de dipolo calculado para o HF, supondo uma ligação totalmente iônica é: . O momento de dipolo medido para HF gasoso é igual a 1,9 D. Você pode então observar que o composto HF não é 100% iônico. Se fosse, o momento de dipolo experimental seria bem próximo do valor calculado de 4,4 D. A %C.I. real para o HF é igual a: %C.I. = 100(1,9/4,4) = 43%.

Se você utilizar a expressão de Pauling para o cálculo da %C.I. usando a diferença de eletronegatividade entre o H e o F, você vai chegar a um valor de %C.I. igual a 56%. Por este último cálculo você provavelmente diria que o HF é iônico! Mas não é. Ele só tem um alto caráter iônico e a ligação H-F é predominantemente covalente.

A expressão de Pauling para o cálculo da %C.I. a partir da diferença de eletronegatividade deve ser usada com cautela. De maneira confiável, é possível dizer que uma ligação é predominantemente iônica apenas se a 2,0 e predominantemente covalente apenas se a 1,0. No intervalo 2,0<>1,0, o cálculo da %C.I. pode induzir a uma conclusão errônea sobre a natureza da ligação química. Nunca se esqueça que estamos usando as eletronegatividades da escala de Pauling.

Alguns valores de %C.I. calculados a partir da diferença de eletronegatividade e a partir do valor de momento de dipolo experimental são mostrados na Tabela 2.

Tabela 2. Porcentagens de caráter iônico.

Ligação

%C.I.a

%C.I. (real)b

H-F

1,8

55

1,91

43

H-Cl

1,0

22

1,03

17

H-Br

0,8

15

0,78

12

H-I

0,5

6

0,38

5

a)

b)

Pela Tabela 2 é possível perceber que uma diminuição na diferença de eletronegatividade entre os átomos leva a uma diminuição do caráter iônico da ligação covalente.

Ligue-se:

O caso da molécula de CO

A estrutura de Lewis para o monóxido de carbono sugere uma ligação tripla CO, uma carga formal positiva no oxigênio e uma carga formal negativa no carbono:

A distância internuclear de equilíbrio dCO = 1,128 Å e a energia de dissociação da ligação CO é igual a 1.070,2 kJ/mol. A ligação CO é extremamente estável!

De acordo com a descrição clássica de Lewis, a molécula de CO consiste de um dipolo elétrico definido pela diferença de carga formal. Entretanto, sabemos que a carga real negativa no átomo de carbono não é igual a uma unidade atômica de carga negativa (como é, por exemplo, a carga do íon Cl-). Da mesma maneira, a carga real calculada para o átomo de oxigênio não é igual à carga do Na+, por exemplo.

Como você já sabe, a carga formal é calculada supondo-se uma ligação 100% covalente, mas como CO é uma molécula heteronuclear, a ligação é covalente polar. Ou seja, há um caráter iônico na ligação C-O.

Apenas considerando as cargas formais, o sentido do vetor momento de dipolo do CO seria:

O sentido do vetor estimado pelas cargas formais é exatamente o oposto daquele que você esperaria caso levasse em consideração apenas a diferença de eletronegatividade entre os átomos de oxigênio e carbono:

 

Experimentalmente, o momento de dipolo elétrico da molécula de CO vale = 0,12 D, e o sentido do vetor  sugere que o pólo negativo seja o átomo de carbono. Logo, experimentalmente, o sentido do vetor  do CO é aquele estimado pelas cargas formais.

Este exemplo indica que as cargas formais fornecem uma boa pista do sentido do vetor momento de dipolo.

No caso de moléculas em que a carga formal positiva está no átomo mais eletronegativo, como é o exemplo do CO, os pólos (+) e (-) do dipolo elétrico são, na maioria das vezes, aqueles estimados pelas cargas formais, e não pela diferença de eletronegatividade.

A %C.I. do CO calculada a partir do valor  é igual a 2%. Valor baixo, você concorda?

Faça o cálculo da %C.I. considerando a diferença de eletronegatividade entre os átomos de C e O. Depois, vamos discutir a discrepância entre as porcentagens no nosso fórum.

ATIVIDADE III

1) Considere a molécula paramagnética NO (óxido nítrico). Calcule a %C.I. da ligação NO considerando as duas expressões:

a) .

b) .

Para os cálculos: (i) use a Figura 3 para calcular a diferença de eletronegatividade entre o oxigênio e o nitrogênio; (ii) considere a distância internuclear de equilíbrio N-O, dNO = 1,151 Å; (iii) considere o valor experimental do momento de dipolo do óxido nítrico, (NO) = 0,07 D. Procure uma justificativa para a discrepância entre os valores de %C.I. calculados pelas duas equações.

 

4.3. Carga formal e estado de oxidação formal

Num composto iônico, não há dúvidas quanto à atribuição do número de oxidação (Nox) de um íon. Por exemplo, no MgO, o estado de oxidação do magnésio é Mg2+ e o Nox do oxigênio é –2. Já no CaF2, os estados de oxidação são Ca2+ e F-.

Mas como atribuir estados de oxidação de átomos numa molécula?

Numa molécula, o número de oxidação formal (NoxF) de um elemento é atribuído supondo que a ligação fosse 100% iônica. Da mesma maneira que ocorre com a carga formal, o número de oxidação formal não fornece o estado de oxidação real do átomo, embora o cálculo dos NoxFs auxilie na contagem do número de elétrons envolvidos em reações redox.

Para calcular os NoxFs, basta considerar que, numa ligação, o elemento mais eletronegativo atrairia pra si o par da ligação, supondo que a ligação fosse 100% polarizada, ou seja, fosse iônica. Depois, basta contar quantos elétrons “estão” no átomo e comparar esse número com o número de elétrons de valência do átomo. A diferença é o número de oxidação formal. A Tabela 3 a seguir traz alguns exemplos.

Tabela 3. Estados de oxidação formais de algumas substâncias.

Molécula

Estrutura de Lewis e cargas formais

Estados de oxidação formais

CN-

H2O

NO3-

SO32-

H3CCHO

H3CCOOH

No caso de um híbrido de ressonância, os estados de oxidação formais não dependem da estrutura contribuinte. Logo, qualquer uma pode ser usada.

É importante chamar sua atenção para o fato de que tanto as cargas formais como os estados de oxidação formais não têm qualquer relação numérica com os valores de cargas parciais ( ). Estas últimas sim, são consideradas as cargas “reais” nos átomos. Entretanto, os conceitos de cargas formais e de números de oxidação podem ser extremamente úteis no entendimento de diversos fenômenos químicos. As cargas formais e os estados de oxidação formais podem ser considerados situações “limite”. As cargas reais estarão entre esses limites, já que nenhuma ligação covalente heteronuclear é 100% covalente ou 100% iônica.

 

 

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Este site foi atualizado em 04/03/19