
Poucas linhas
de código, escondidas, infiltram-se no
sistema
operacional e modificam o
programa principal. Além de ter suas
funções alteradas, o sistema passa a
produzir e enviar mais cópias daquelas
linhas invasoras.
O Portal de Estudos em Química (PEQ)
apresenta:
VÍRUS, hackers do código genético. |
Reino
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Membros
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Virus
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viroses
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Monera
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bactérias, algas azuis,
proclorófitos
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Plantae
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algas, fungos, coníferas,
cereais, etc.
|
Animalia
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moluscos, corais, anelídeos,
vertebrados, artrópodes,
esponjas, equinodermos, etc.
|
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Os avanços que foram conseguidos na química,
física e na biologia molecular, desde 1960,
revolucionaram
o estudo das viroses. A
eletroforese em
gel, por exemplo, forneceu um
profundo entendimento da composição protéica e
nucléica dos vírus. O progresso feito na física
dos cristais forneceu análises mais detalhadas,
com difração
de raios X, das estruturas virais.
Aplicações da biologia celular e bioquímica
ajudaram a determinar como as viroses usam as
células hospedeiras para sintetizar seus ácidos
nucléicos e suas proteínas. Esta revolução
permitiu com que a
informação
genética codificada nos vírus - o que
os capacita de reproduzir, sintetizar proteínas
específicas e alterar funções celulares - fosse
estudada. De fato, a relativa simplicidade
da estrutura química dos vírus tem os
tornado uma ferramenta experimental para o
estudo de certos processos e eventos biológicos.
O QMCWEB apresenta o vírus: o que é, como causa
infecção e as novas
armas químicas
para o combate destas moléstias.
Um novo uso para o Vírus
|
Os químicos Trevor Douglas da Temple
University e Mark Young da Montana
State University encontraram um novo
uso para os vírus. Após terem
esvaziados os seus capsid (capa
proteíca que envolve o material
genético do vírus), eles o
utilizaram como um pequeno "frasco
reacional" e como um sistema de "drug
delivery". O vírus escolhido foi o
cowpea chlorotic mottle virus – um
RNA-vírus que ataca plantas; seu
capsid, livre do RNA, tem uma
cavidade de cerca de 18 nanometros
(cerca de 4.000 vezes menor do que
um fio de cabelo). É espaço
suficiente para abrigar algumas
moléculas. Pode funcionar como um
"nano" tubo de ensaio, para abrigar
e por em contato íntimo os reagentes
ou, ainda, servir de envelope para o
transporte de certos fármacos no
sangue. Como o vírus tem a
habilidade de penetrar na célula,
ele pode entregar a droga
diretamente no interior das células
alvo.Um exemplo é a já bem sucedida
envelopagem da heparina (um inibidor
da coagulação do sangue) com o
capsid viral. Este trabalho foi
publicado na revista Nature,
em 1988 (Nature, vol 393, p 152) |
Um vírus é
um pequeno aglomerado de moléculas
e macromoléculas, de composição
relativamente simples, que é capaz de se
multiplicar (reproduzir) somente no interior
de células vivas de animais, plantas ou
bactérias. O nome vem do Latin e significa
"veneno". Poucos anos antes de 1900, dois
cientistas (o russo D.I. Ivanovsky e
o alemão Beijerink) descobriram que
uma doença comum às folhas do tabaco era
transmitida por um "agente de infecção",
hoje conhecido como "vírus mosaico do
tabaco". Eles perceberam que este agente
era menor do que uma bactéria e que, se
isolado, não se reproduzia e não era visível
no microscópio ótico. Alguns anos mais
tarde, o inglês F.W. Twort chegou a
conclusões parecidas estudando outro agente,
que era capaz de infectar bactérias e, por
isso, chamado de bacteriofage
(comedor de bactérias). Vários outros
cientistas encontraram relações entre
moléstias comuns aos humanos e outros seres
vivos com determinados agentes, que possuiam
as características observadas por Ivanovsky
e Beijerink. Logo a comunidade científica
aprendeu a fazer culturas de viroses, em
células, e usar esta técnica para a
preparação de vacinas - formulações
usadas para promover a imunidade biológica
ao agente, tal como a vacina da poliomelite. |
Os
vírus não são plantas, animais ou
protozoários; eles possuem o seu
próprio reino taxonômico. Na verdade, os
vírus são sequer considerados seres vivos,
pois eles não são capazes de se reproduzir
ou conduzir processos metabólicos sem uma
célula hospedeira. Em comum, todos os vírus
contém ácidos nucléicos RNA ou DNA e
proteínas. Os ácidos nucléicos trazem a
informação genética do vírus codificada. Em
todos os vírus, existe uma camada
protéica protetora em torno do material
genético, chamada de
capsid. Alguns vírus
possuem também outras proteínas, que agem
como enzimas, catalisando reações e
processos necessários para o ataque do
víruos às células hospedeiras.
|
Os vírus são
parasitas: dependem da célula hospedeira
para todas as suas funções biológicas. Ao contrário
de verdadeiros seres-vivos, eles não podem
sintetizar proteínas, pois não possuem
ribossomos (organela celular responsável pela
transcodificação mRNA -> proteína); os vírus
utilizam os ribossomos das células hospedeiras para
esta tarefa.
Eles
tão pouco podem gerar ou armazenar energia na forma
de trifosfato de adenosina; como não possuem
mitocôndrias, toda a energia consumida pelos
vírus vem das células hospedeiras. Os vírus também
utilizam os nucleotídeos e amino-ácidos da célula
para sintetizar seus próprios ácidos nucléicos e
proteínas, respectivamente. Alguns vírus, mais
qualificados, utilizam também lipídeos e açúcares da
célula hospedeira para formar suas membranas e
glicoproteínas.
Na grande maioria das viroses, apenas o material
genético, sem o capsid, já é capaz de causar
infecção, embora menos eficientemente do que o vírus
completo. O capsid tem várias funções, entre
elas a de proteger os ácidos nucléicos virais
da digestão feita por certas enzimas (nucleases),
acoplar com certos sítios receptores na
superfície da célula hospedeira e penetrar na
sua membrana ou, em alguns casos, injetar o
ácido nucléico infeccioso no interior da célula.
Muitos vírus possuem, ainda, uma membrana
lipoproteíca envolvendo o capsid; esta membrana
é chamada de
envelope. O envelope facilita a interação
do vírus com a membrana citoplasmática e aumenta a
proteção do vírus contra o sistema de defesa do
organismo.
Os
vírus são muito pequenos, menores do que
o comprimento de onda da luz visível - por isso não
são vistos em microscópios óticos. Seu tamanho varia
de 20 a 250 nanometros: o que determina a
forma e o tamanho são as quantidades e arranjos de
proteínas e ácidos nucléicos.
As formas variam, mas são variações de, basicamente,
duas estruturas genéricas: bastões (ou filamentos),
que tem uma matrix linear de proteínas e ácidos
nucléicos; e as esferas que são, na verdade,
polígonos de 20 faces (icosaédros) ou mais. Algumas
espécies complexas de viroses apresentam combinações
de ambas as formas.
O material genético
da grande maioria dos vírus consiste de uma ou mais
cadeias simples de RNA. Alguns, entretanto,
possuem cadeias de DNA, em dupla hélice, tal como os
humanos. No primeiro caso, os RNA virais atuam como
mRNA nas células, ordenando a síntese de proteínas
específicas. Estas viroses também possuem uma
enzima, chamada RNA-polimerase, que catalisa a
síntese de mRNA complementar, para a multiplicação
do vírus.
Os
vírus podem se replicar somente
com o auxílio da célula hospedeira. Embora os
mecanismos
para isto variem de acordo com o tipo de virose,
certos princípios são similares. O primeiro passo no
ciclo de infecção é aquele que o vírus mãe (virion)
se liga à superfície da célula a ser invadida. No
segundo passo, o virion penetra no citoplasma ou, em
alguns casos, injeta o material genético do vírus no
interior da célula, enquanto que o capsid permanece
fora da célula. No caso da penetração do vírus
completo, um terceito passo, chamado
desenvelopamento, libera o material genético do
capsid e do envelope, se presente.
Algumas
viroses, como a T4 bacteriofage,
desenvolveram um complexo mecanismo de ataque: uma
espécie de "plug" que penetra a membrana celular e
injeta o vírus, como se fosse uma seringa; este
vírus possui uma cobertura protéica retrátil e
longas caudas hidrofóbicas que se ligam firmemente à
membrana citoplasmática.
O ciclo de
infecção do vírus influenza, causador da
gripe, envolve um processo diferente: o vírus
possui, na superfície, moléculas chamadas
hemaglutininas, capazes de ligarem-se a moléculas de
ácido siálico na superfície da célula. Esta ligação
induz a célula a absorver o vírus que logo libera o
seu material genético, feito de RNA, e suas
proteínas, no citoplasma. Algumas destas proteínas
auxiliam na duplicação do RNA e na produção de mRNA,
que orienta o ribossomo na fabricação de mais
proteínas virais. Os genes virais e as novas
proteínas formam então novos vírus que são ejetados
da célula infectada e partem para infectar outras.

A penetração nas
células animais pelo vírus envolve
processos diferentes, pois as células animais são
protegidas por uma bicamada de fosfolipídeos e
lipoproteínas. A maioria das viroses penetra nesta
membrana por um processo chamado
endocitose: ocorre uma invaginação
da membrana que "engole" o vírus; isto ocorre,
geralmente, em uma área da membrana que contém uma
proteína chamada clatrina. A membrana, então, "gospe"
o vírus envelopado por um pedaço da membrana
plasmática, resultando em uma vesícula, que funde
com os endosomas citoplasmáticos (outro tipo de
vesículas) e, então, com os lisossomos, uma das
organelas celulares. Os lisossomos são vesículas
ricas em enzimas. A membrana que envolve o vírus se
funde com os lisossomos e libera o vírus no
citoplasma.
Para aquelas viroses onde o genoma é um RNA que pode
servir como mensageiro, o terceiro passo é a
tradução deste RNA para formar proteínas virais;
algumas destas são enzimas que sintetizam ácidos
nucléicos (polimerases). Após um tempo, a
célula já produz proteínas e genoma virais para
formar outras unidades do virus. A reprodução está
completa.
Armas químicas
contra as
VIROSES
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Aciclovir
O 9-{2-hidroxietoxi}metil]-9H-guanina
é um análogo da deoxiguanosina
que possui j a cadeia alquílica
lateral no lugar da deoxirribose,
açúcar comum aos nucleotídeos de
DNA. É utilizado,
principalmente, contra o vírus
do Herpes. Esta droga é ativada
pela enzima viral
timidina-kinase, tornando-se
inibidora da DNA-polimerase
viral, ou seja, bloqueando a
duplicação do DNA de células
infectadas.
|

Ribavirin
(1-b-D-ribofuranosil-1,2,4-tiazole-3-carboxamida)
é um análogo da guanosina. Inibe a
replicação in vitro de o uma ampla
faixa de DNA e RNA-viroses, como o
vírus do sarampo, da herpes, e
certos viroses causadoras de câncer.
Suspeita-se que esta droga interfira
na tradução da informações contidas
no m-RNA, "atrapalhando" a síntese
de proteínas virais.
|
A
Z T
A droga 3'-Azido-3'-deoxitimidina
tornou-se bastante conhecida
pelo seu recente emprego no
combate contra a AIDS, embora já
venha sendo utilizada no
tratamento de várias outras
viroses. Esta substância inibe a
ação da enzima DNA-polimerase,
impedindo a duplicação de
células infectadas.
|
Adamantina
O 1-aminoadamantano é uma amina
tricíclica simétrica que inibe
seletivamente a replicação do vírus
influenza A, mesmo em baixas
concentrações (< 1mg/ml). A ação é
dupla: inibe o desenvelopamento do
vírus no citoplasma, por dificultar
a desassociação da matriz polimérica
e o DNA, além de provocar alterações
na hemaglutinina durante a
replicação do DNA. |
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Algumas viroses animais
podem permanecer
"incubadas" no hospedeiro, em um estado
de latente de "dormência". Embora seu DNA seja
incoporado ao DNA das células hospedeiras, as
células não tem, inicialmente, nenhuma alteração
funcional. A cada replicação do DNA celular, a
fração correspondente ao DNA viral é também
replicada. Embora as células continuem sadias, elas
carregam as informações genéticas do vírus. Um
determinado fator perturbante pode desencadear a
segunda fase de ataque do vírus, onde as funções das
células infectadas são alteradas, e mais vírus são
produzidos. Este processo foi descoberto em 1950
pelo microbiologista francês André Lwoff, e é
chamado lisogenia.
Outras vezes, as células que carregam as informações
virais se comportam como células cancerígenas, em um
processo conhecido como transformação maligna.
Ao contrário das células sadias, que são programadas
para morrer (apoptose),
as células malignas impedem a apoptose, resultando
em um crescimento desordenado do número de células,
ou seja, no câncer.
HIV
O vírus da AIDS
|
Embora muitas das viroses tenham sido descobertas e
caracterizadas com base nas doenças que provocam, a
maioria não causa nenhum mal. De fato, muitas são
atém benéficas. Algumas técnicas para
tratamento genético,
por exemplo, envolvem o auxílio de viroses para
substituir genes defeituosos em todas as células de
um organismo.
A química tem sido de imenso valor no
combate às viroses. Antibióticos e outros
agentes antimicrobiais não são eficazes, pois as
viroses mimetizam as funções biológicas das células
hospedeiras - matá-los significaria matar, também,
as células sadias do organismo. Certos compostos
orgânicos sintéticos (vide quadro), como a
ribavirina, aciclovir e zidovudina e
azidotimidina (AZT) seletivamente inibem o
crescimento de células infectadas. Outra classe de
armas contra os vírus são os interferons, que são
naturalmente produzidos pelas células. São proteínas
normalmente sintetizadas em células de vertebrados.
Estas proteínas são produzidas em casos de infecção,
naturalmente, pelo organismo; entretanto, é prática
corrente da medicina a injeção ou estimulação da
formação de mais interferon no combate a viroses e
ao câncer.
A origem do vírus
na escala evolutiva ainda não é bem conhecida. A
primeira consideração, devido à sua simplicidade, é
que os vírus fossem as formas de vida primordiais.
Este conceito é, provavelmente, incorreto, por que
os vírus são incapazes de se replicarem sem o
auxílio de células mais evoluídas. Os vírus
evoluiram das células, e não o oposto. Alguns
cientistas consideram os vírus como evolução de
"restos" de células: a degradação de pedaços de
ácidos nucléicos celulares que, posteriormente,
adquiriram o capsid e envelope, deu origem aos
vírus. Isto explicaria a notável semelhança entre as
sequências do RNA ou DNA de viroses com as
encontradas nos seres vivos.
Graças aos esforços de químicos e bioquímicos, no
mundo todo, sabemos cada vez mais sobre as viroses.
Esta é mais uma das linhas de pesquisa da Química.
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Saiba mais:
>Assassinos invisíveis
>Curso online em Virologia, Univ. Rochester
>Virologia Molecular
>O Vírus Virtual
>Princípios da arquitetura viral
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