As aranhas são animais que chamam a
atenção dos cientistas basicamente por dois motivos: suas curiosas
teias e seu poderoso
veneno, podendo este último ser letal. Este
artigo mostrará a química envolvida nestes dois aspectos.
Adianto que este artigo não é recomendado para
quem sofre de aracnofobia: ) Confesso que também não sou 'muito fã' destes
animais, mas sem dúvida alguma elas são muito interessantes para
cientistas de diversas áreas do conhecimento, dentre elas, a
química. Antes de começarmos a analisar os aspectos pertinentes
a nossa abordagem, vamos dar uma olhada no que a história e a
biologia dizem sobre o assunto.
Aranha e seus aspectos
históricos e biológicos
Os Quelicerados
são um subfilo dos artrópodes (possuidores de pernas
articuladas), tendo o corpo dividido em cefalotórax (fusão da
cabeça com o tórax) e abdômen. O termo "aranha" é uma designação
comum à diversos aracnídeos araneídeos. Existem três classes de
quelicerados, sendo que duas pequenas classes (Merostomata e
Pycnogonida) contêm espécies marinhas, mas a maioria dos
quelicerados é terrestre.
Dentro da classe dos aracnídeos estão
as aranhas,
escorpiões, ácaros e carrapatos.
Os aracnídeos constituem
um grupo antigo, do período Siluriano (395-430 milhões de anos)
ainda na era Paleozóica. Eram originalmente marinhos mas hoje
são terrestres, com exceção de cinco espécies e somam mais de 32.000
espécies conhecidas
até o momento. As aranhas variam desde pequenos exemplares
com menos de 0,5 mm de comprimento até as grandes migalomorfas
tropicais (chamadas de caranguejeiras ou aranhas-macaco) com um
comprimento corporal de 9 cm, sendo que a envergadura das pernas
pode ser muito maior, chegando aos impressionantes 20 cm de
comprimento.
A seda das aranhas
Quimicamente falando, a
seda da aranha é um complexo de proteínas
composta predominantemente de glicina, alanina, serina
e tirosina,
denominada genericamente por fibroína.
(veja as estruturas do aminoácidos na figura 2).
Estruturalmente
falando,
a seda possui estrutura
secundária do tipo
b
-
conformação,
ou seja, um
arranjo
tridimensional do tipo folha pregueada
ou folha dobrada (veja figura 1),
sendo que o arranjo lembra uma folha de papel
dobrada em
ziguezague.
Estabelecem pontes de hidrogênio entre seus grupos N
- H e C =O.
Figura 1 -
Estrutura
secundária
de uma proteína
do tipo
b-conformação
- Adaptado
de [2].
Emitida pelas 'glândulas de seda', ao
sair delas, a seda ainda é líquida e a
proteína que a compõe possui
aproximadamente
30 mil u.m.a
(unidade de massa atômica) porém, logo
endurece, não pelo contato com o ar mas
sim pelo próprio processo de esticá-la,
processo que muda sua configuração
molecular e a fibra polimérica passa
para
300 mil u.m.a.
Um único cordão é composto por várias
fibras, cada uma esticada a partir de
uma seda líquida. O estiramento ocorre à
medida que a aranha se move para longe à
partir de um cordão ancorado ou então
puxa os cordões com sua pernas
superiores. As aranhas produzem mais de
um tipo de seda, e vários tipos são
secretados a partir de seis tipos
diferentes de glândulas de seda.
Nem todas as
aranhas constroem teias para capturar
suas presas, sendo que a principal
função da seda é reprodutiva, na
construção do estojo ovígero sedoso,
isso por parte da fêmea. Já o macho
utiliza a teia para fazer o transporte
do sêmen para os órgãos copuladores.
Outra função
é a de
"linha de reboque",
onde uma
linha
de seda seca serve como
dispositivo de segurança
para a aranha.
Figura 2 - Principais
aminoácidos que formam a seda das aranhas.
Obs: Outros
aminoácidos fazem parte da constituição da proteína
responsável pela seda, porém em uma quantidade
desconsiderável em relação as citadas acima.
Figura 3 - Exemplo de
uma teia em órbita.
Animação
1 - Estágios na construção de
uma teia
em órbita - fonte: [7]
Quanto ao aspecto da
alimentação, a presa pode ser capturada através da
armadilha da teia, ou então ativamente, sendo a
aranha classificada como "construtora
de teia"
e "errante",
respectivamente.
Um exemplo de aranha errante é a classe dos solífugos,
que na verdade não são
aranhas,
mas pertencem a classe dos aracnídeos e são
comumente confundidos como sendo "aranhas-do-deserto".
A bíblia conta que Deus castigou os egípcios por não
libertarem os hebreus infestando suas casas com as "aranhas-do-vento".
Embora não sejam peçonhentas, os solífugos podem
infligir mordidas dolorosas ao seres humanos.
Carnívoros convictos, eles atacam insetos, roedores,
lagartos, serpentes e pequenas aves, agarrando-os
com mandíbulas
que chegam a medir até um terço do comprimento de
seu corpo
(proporcionalmente, as maiores de todo o reino
animal). Também conhecidos como "escorpiões-do-vento",
"aranhas-camelo" por causa de sua corcova, eles
chegam a pesar 55g, com envergadura de 13
centímetros. A revista National Geographic Brasil
afirma: com exceção das baratas, nenhum inseto ou
aranha desloca-se com tanta rapidez [4].
A teia da aranha é um material natural
especial, sendo que a combinação de sua dureza e
elasticidades ultrapassa quase que qualquer material
sintético. No meio científico, um dos produtos
naturais que mais chama a atenção é a teia de
aranha. A tenacidade,
a
resistência mecânica
e a elasticidade
desta seda continuam a intrigar os cientistas, que
se perguntam o que dá a este material natural suas
qualidades inusitadas.
A propriedade
física que caracteriza a resistência mecânica de um
material é a tensão de
ruptura,
definida como a razão entre a força aplicada ao material
para seu rompimento e a área de sua seção transversal,
tendo a teia da aranha uma das maiores resistências
mecânicas já vistas. Já
a elasticidade da
teia gira em torno de 40%,
um valor muito grande quando comparado a outras fibras,
como o náilon que estica 20% do seu comprimento sem se
romper
[9].
Mais fina que um fio de
cabelo, mais leve que o algodão,
e (nas mesmas dimensões) mais forte que o
aço, não é
por nada que ela é uma atração, inclusive no cinema com
os filmes Homem-Aranha I e
II, onde o
jovem Peter Parker passou a produzir teias de aranhas
super resistentes e elásticas, protegendo a população
dos malfeitores, após ter sido mordido por uma aranha.
Evidentemente, trata-se de pura ficção, visto que é
impossível uma pessoa adquirir as características de uma
aranha sendo mordido por uma. Muito pelo contrário,
existem aranhas peçonhentas (ou seja, venenosas) que
podem acarretar em uma visita ao hospital, como veremos
mais adiante.
Animação 2 - Fotos do
super-herói
"Homem-Aranha"
O veneno das aranhas
Segundo os dados do
Ministério da Saúde [1], o coeficiente de
incidência dos acidentes com araneídeos situa-se em
torno de 1,5 caso por 100.000 habitantes, com registro
de 18
óbitos no período de 1990-1993.
A maioria das notificações provem das regiões Sul e
Sudeste (veja mais na tabela 1)
Tabela 1: fonte [1]
Pode-se notar na
tabela 1 que os principais gêneros que possuem registro
de acidente aqui no Brasil são basicamente três:
Phoneutria, Loxsceles e Latrodectus.
Abaixo, faremos uma análise superficial de cada gênero,
juntamente com o gênero
Theraphosidae (caranguejeiras), não por serem venenosas
(porque não são) mas pelo seu tamanho que acaba criando
este aspecto assustador em suas espécies, sendo por isso
as aranhas mais conhecidas.
Figura 4 - Os 20
aminoácidos e suas respectivas siglas - fonte: [10]
Phoneutria
(aranha-armadeira)
As populares
"aranhas-armadeiras" assumem um comportamento de
defesa bastante característicos quando se sentem
ameaçadas: apóiam-se nas pernas traseiras, erguem as
dianteira e abrem as quelíceras (veja figura 5).
Podem atingir 4 cm de comprimento de corpo e 15 cm
com a envergadura das pernas.
As
Phoneutrinas não constroem teia, sendo portanto
denominadas de "errantes", caçando principalmente à
noite. Acidentes são comuns em residências, no
manuseio de material de construção estocado e
calçando sapatos. No Brasil, existem registros das
seguintes espécies: : P. fera, P. keyserfingi, P.
nigriventer e P. reidyi.
Figura 5 -
Phoneutria nigriventer
(aranha armadeira)
fonte: [3]
Correspondendo
a aproximadamente 42% dos casos notificados no
Brasil, embora provoque acidentes com freqüência,
raramente levam o paciente a um estado de saúde
grave. Estudos experimentais
demonstram que o veneno bruto e a fração purificada
da peçonha Phoneutrinas nigriventeratuam nos
canais neuronais de sódio.
Este efeito pode provocar despolarização das fibras
musculares e terminações nervosas sensitivas,
motoras e do sistema nervoso autônomo, favorecendo a
liberação de neurotransmissores, principalmente
acetilcolina
e catecolaminas,
ou seja, o veneno atua no sistema nervoso, mais
especificamente nas sinapses, regiões de comunicação
entre nossos neurônios (veja figura 6). Já o veneno
da Phoneutria spp contém histamina,
serotonina
e pequenas toxinas que ativam os canais de sódio nas
terminações nervosas [5].
Após a picada, são vistos
dois pontos da inoculação, havendo geralmente uma
dor local. Há a possibilidade, dependendo do caso e
da pessoa, de alterações sistêmicas, como
taquicardia, hipertensão arterial, sudorese visão
"turva" e vômitos ocasionais. Casos graves, certa de
0,5% dos registrados, são geralmente relacionados a
crianças, com a intensificação dos sintomas
descritos anteriormente. Em casos mais graves, é
indicado o
soro
antiaracnídico.
Figura 6 - Representação esquemática
de uma sinapse
Loxosceles (aranha-marrom)
Dos casos registrados, a
"aranha-marrom" (veja figura 7) é a responsável pela forma
mais grave de araneísmo
no Brasil.
Há indicações de que o componente mais importante do veneno das
aranhas da família Laxosceles é a enzima
esfingomielinase-D
que, por ação direta ou indireta, atua sobre os constituintes
das membranas das células, principalmente do endotélio vascular
e hemácias (glóbulos vermelhos) provocando, em casos graves a
necrose dos tecidos
próximos a região da picada (ou seja, morte celular).
O veneno
desencadeia um intenso processo inflamatório no
local da picada, acompanhado de obstrução de
pequenos vasos, edema, hemorragia e necrose focal.
Entre as espécies de Laxosceles aqui no
Brasil, o veneno de L. laeta tem-se mostrado
mais ativo no desencadeamento de hemólise
experimental
(destruição
de glóbulos vermelhos do sangue, com liberação de
hemoglobina)
quando comparado
aos venenos de L. gaucho ou L. intermedia.
O
Laboratório de Imunoquímica do Instituto Butantan
realiza pesquisas sobre as aranhas do gênero
Laxosceles, procurando propor um tratamento
efetivo contra o envenenamento, o qual ainda não
está disponível, procurando esclarecer os mecanismos
moleculares envolvidos na patogênese do
envenenamento por aranhas Loxosceles.
Segundo o sítio do Laboratório de Imunoquímica do
instituto [6], mais de 2000
casos por ano
são registrados com envenenamento por aranhas deste
gênero.
Figura 7 - Exemplar de
uma aranha do
gênero Laxosceles
- fonte [8]
Latrodectus curacaviensis ('flamenguinha')
A revista
Superinteressante de dezembro de 1988 [3]
faz referência a um acontecimento bastante curioso.
Uma esquadrilha da força aérea
brasileira
deslocou-se da base de Santa Cruz, no Rio de
Janeiro, na manhã de Julho de 1961, para uma missão
inusitada: destruir um
ninho de aranhas.
Equipados com
bombas incendiárias, soltaram-nas em um local nos
recantos da baía da Guanabara, junto a ilha do
Fundão. Além disso, um destacamento de soldados da
base do Galião completou o serviço, espalhando
gasolina e ateando fogo no resto do local que não
havia sido atingido pelas bombas dos aviões. Após a
operação, o local foi proclamado livre de um perigo
aracnídeo, cientificamente conhecido como
Latrodectus curacaviensis (veja figura 8),
conhecida também como "flamenguinha", cujo veneno
foi considerado, na época, letal ao homem.
Na mesma revista, há considerações sobre a
missão que, apesar de ser bastante radical, de nada
adiantou, sendo que um novo ninho formou-se
próximo ao local onde ouve o ataque
com os aviões. Especialistas indicaram métodos convencionais,
como a borrifação de DDT ou BHC
(veja figura 9). O
veneno da espécie Latrodectus curacaviensis foi
considerado de baixo risco em relação a espécie Latrodectus
mactans (viúva negra).
Figura 9 - Os famosos inseticidas
organoclorados BHC e DDT.
Theraphosidae
(caranguejeiras)
Há um pensamento popular que diz: "Tamanho
não é documento!". Este pensamento aplica-se
perfeitamente as aranhas da espécie Theraphosidae,
mais conhecidas como aranhas caranguejeiras. Apesar
do seu tamanho assustador, podendo atingir cerca de
25 cm de comprimento com as patas estendidas, elas
não têm importância médica.
Os acidentes que podem ocorrer estão
relacionados com a irritação ocasionada na pele e
mucosas por causa dos
pêlos
urticantes
(que queima, ardente) que algumas espécies liberam
como forma de defesa. Raramente elas atacam, mas
quando o fazem, a picada pode ser bastante dolorida.
Apesar disso, o seu veneno
não é muito ativo no ser humano.
Inclusive, algumas espécies (as mais dóceis) são
utilizadas como animais de estimação.
Algumas
pessoas confundem as caranguejeiras como sendo
Lycosidae (tarântulas). Estas últimas são
menores do que as caranguejeiras, porém possuem as
mesmas características quanto ao veneno e os pêlos
que podem promover dermatites quando entram em
contato com a pele de algumas pessoas.