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QUÍMICA DO VINHO

"A
penicilina cura os homens, mas é o vinho que os torna felizes."
FLEMING (1881-1945)
Uma parreira, luz solar e água: eis a uva. Agora some ao suco
desta algumas leveduras, e... pronto: O VINHO. Nenhuma outra bebida
é tão amada, discutida, estudada, e atrai tantos aficionados quanto
o vinho.
O Portal de Estudos em Química
tem o orgulho de apresentar, em um artigo especial, a mais
famosa de todas as bebidas. O artigo mostra como a ciência
Química tem uma participação importante na arte da elaboração da
bebida dos deuses. Com vocês, a
Química do Vinho!
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Bebida SAGRADA
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A palavra "vinho" aparece centenas de vezes no livro
sagrado. Os grandes reis, os grandes profetas e até
mesmo o filho de Deus eram consumidores de vinho: mesmo
em sua última refeição, Jesus não deixou o vinho faltar.
Dois episódios podem servir como exemplo: a primeira
menção do vinho na Bíblia e o primeiro milagre de Jesus:
>Noé bebum (a primeira aparição da palavra
vinho)
Gênesis, 9 20-21
"Sendo Noé lavrador, passou a plantar uma vinha.
Bebendo do vinho, embriagou-se e pôs-se nu dentro de sua
tenda"
>Água em vinho (primeiro milagre)
João, 2 1-12
"(...)houve um casamento em Caná e ali estava a mãe
de Jesus. Jesus também foi convidado, com seus
discípulos. Tendo acabado o vinho, a mãe de Jesus lhe
disse;'Eles não têm mais vinho!'. (...)Jesus lhes disse:
'Enchei de água os seis jarros', e os seventes as
encheram. Então, Jesus determinou: 'Tirai agora e levai
ao mestre-sala'. Tendo o mestre-sala tomado a água
transformada em vinho, chamou o noivo e lhe disse:
'Todos costumam pôr primeiro o bom vinho e, quando já
beberam fartamente, servem o inferior; tu, porém,
guardaste o bom vinho até agora'
>Sábios provérbios
Provérbios
20,1
"O vinho é escarnecedor, é a bebida forte,
alvoroçadora"
23,29 "E para quem as feridas sem causas, os
olhos vermelhos? Para os que se demoram em beber vinho,
para os que andam buscando bebida misturada"
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Datar cronologicamente
a história desta paixão entre homem e vinho não é
fácil. Alguns historiadores supõem que o homem conheceu o vinho
antes de aprender a cultivar as uvas, possivelmente desde que o
gênero Vitis, que compreende todas as vinhas domésticas fez seu
aparecimento na era Terciária. Entre as formações da era
Terciária, encontram-se quarenta variedades de Vitis, e uma
cepa fóssil de mais de cinqüenta milhões de anos.
Arqueologistas aceitam acúmulo de sementes de uva como evidência
de elaboração de vinhos. Escavações em Catal Hüyük na Turquia,
em Damasco na Síria, Byblos no Líbano e na Jordânia revelaram
sementes de uvas da Idade da Pedra (Período Neolítico B), cerca
de 8000 a.C. As mais antigas sementes de uvas cultivadas foram
descobertas na Georgia (Rússia) e datam de 7000 - 5000 a.C. (datadas
por marcação de carbono).
Editor's selection
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Entre fatos históricos e cientificamente comprovados, também
não faltam lendas sobre o vinho. A mais citada de
todas as lendas sobre a descoberta do vinho é uma versão
persa que fala sobre Jamshid ,
um rei persa semi-mitológico que parece estar relacionado a
Noé, pois teria construído um grande muro para salvar os
animais do dilúvio. Na corte de Jamshid, as uvas eram
mantidas em jarras para serem comidas fora da estação. Certa
vez, uma das jarras estava cheia de suco e as uvas espumavam
e exalavam um cheiro estranho sendo deixadas de lado por
serem inapropriadas para comer. Eram consideradas possível
veneno. Uma donzela do harém tentou se matar ingerindo o
possível veneno. Ao invés da morte ela encontrou alegria e
um repousante sono. Ela narrou o ocorrido ao rei que
ordenou, então, que uma grande quantidade de vinho fosse
feita e Jamshid e sua corte beberam da nova bebida.
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eno-Glossário
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ACIDEZ - Sensação de frescor agradável, provocada pelos
ácidos do vinho como cítrico, tartárico, málico, lático,
succínico e que são necessários para que, junto com o
álcool e o tanino, o vinho possa envelhecer com
dignidade.
ACIDEZ VOLÁTIL - Acidez desagradável provocada pelos
maus ácidos do vinho (acético, propiônico e butírico).
ALCOÓLICO - com muito álcool, desequilibrado.
AMBIENTAR - (em francês CHAMBRER) deixar o vinho à
temperatura ambiente, do recinto onde é servido.
AQUOSO - fraco, que teve adição de água.
ÁSPERO - com excessivas adstringência e acidez (esta um
pouco menor).
AVELUDADO - macio, untuoso, viscoso com textura de
veludo.
AVINAGRADO - com odor e sabor de vinagre, deteriorado,
inutilizado para o consumo.
BUQUÊ - (do francês bouquet) - aroma complexo, também
denominado aroma terciária, resultante do
envelhecimento.
CHAPTALIZAÇÃO (do francês, "Chaptalization") - adição de
açúcar durante a fermentação (proibida em alguns
países).
FORTIFICADO - ao qual é adicionado aguardente vínica,
como o vinho do Porto, o Madeira, o Jerez, o Marsala, o
Banyuls e outros.
FRISANTE - efervescente, com pouco gás carbônico (menos
que espumantes).
NEUTRO - sem caráter marcante.
OLEOSO – viscoso.
OPACO - turvo; velado; sem limpidez.
OXIDADO - que sofreu oxidação; envelhecido além do
suportável; decomposto na cor (do dourado ao castanho
para os brancos e do tijolo ao marrom para os tintos),
no aroma (adocicado, cetônico, etc.) e no sabor
(desagradável e apagado).
QUENTE - teor alcoólico alto.
TÂNICO - que tem muito tanino ou no qual o tanino
sobressai; o mesmo que adstringente e duro.
TANINO - substância existente na uva e que confere a
adstringência ao vinho.
VERDE - com acidez acentuada, mas agradável e
refrescante. |
Por mais raro que seja, ou mais antigo,
Só um vinho é deveras excelente
Aquele que tu bebes, docemente,
Com teu mais velho e silencioso amigo.
Mário Quintana
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Poderia-se discorrer longamente sobre os fatos históricos que
demarcam a estreita relação entre a cronologia humana e a
elaboração de vinhos. Mas de certo, é que e vinho não teve que
esperar para ser inventado: ele estava lá, onde quer que uvas
fossem colhidas e armazenadas em um recipiente que pudesse reter
seu suco.
"O
Vinho é suco de uva fermentado", mas não se
engane com a simplicidade que esta afirmação pode transferir
para uma garrafa de vinho. Fosse somente isto e não se
justificaria a paixão por tantos declarados a este líquido. O
Vinho é único porque assim como as pessoas, não existem dois
iguais.
Da mesma forma como eram declarados os quatro recursos da
ciência e da natureza (fogo, água, ar e terra), o vinho também é
produto de quatro elementos fundamentais:

- O Terroir (pronuncia-se terruar) - ou o local, solo,
relevo onde a uva é cultivada;
- A Safra - ou o conjunto de condições climáticas
enfrentadas pela videira;
- A Cepa - ou a herança genética, a variedade de uva;
- E enfim, o Homem - que cultivou e colheu as uvas,
supervisionou a fermentação e demais etapas até o engarrafamento
do vinho.
A pessoa responsável pelo processo de "fabricação do vinho",
vinificação, é denominada de enólogo, e este é um
profissional da química (está lá no rótulo o CRQ do enólogo
responsável). A Química, como se vê, também está no Vinho.
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"O vinho é composto de humor líquido e luz"
GALILEU GALILEI
A Vinificação
Matéria
prima do Vinho, a "produção" da uva pelas videiras requer
apenas água e sol. A luz solar transforma o dióxido de
carbono da atmosfera em açucares, isto é feito nas folhas (a
fotossíntese), que transferem este açúcar para o fruto; as
raízes contribuem com a água para fazer o suco, minerais e
outros elementos em pequenas quantidades.
Na
sua forma mais básica, a fabricação do vinho é simples. Após as
uvas terem sido espremidas, o levedo (pequeno organismo
unicelular que existe naturalmente na vinha e, conseqüentemente,
nas uvas) entra em contato com o açúcar do suco da uva e,
gradualmente, converte esse açúcar em álcool. CO2
também é produzido neste processo exotérmico. Quando o levedo
conclui seu trabalho, o suco de uva vira vinho. Quanto mais
maduras e doces forem as uvas, maior será o teor alcoólico no
vinho. Todo este processo é chamado de fermentação. Após
a fermentação, o vinho pode (ou não) ser deixado maturar.
Bioquímica
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AÇÚCAR (17g)
->
ÁLCOOL (1oGL) + CALORIAS (1,5 Cal) + CO2
(4 lit ou 4 atm)
Como o teor alcoólico do vinho é de 11 a 13oGL,
temos:
187 - 221g de açúcar -> 11 a 13oGL de
álcool + 44 - 52 litros CO2 +
16,5 - 19,5 Cal
-> 16,5 a 19,5 Cal equivalem a 30 - 34oC
que são reduzidos para: 15 - 18oC
nos brancos e 20 - 30oC nos
tintos;
-> Nos espumantes a pressão é de 6 atm / litro,
necessitando, portanto, de 25,5 g açúcar / litro e
resultando em um acréscimo de 1,5oGL
ao vinho. |
Esta
é a etapa na qual o vinho "reúne suas forças". A fermentação
pode durar três dias ou três semanas, e o vinho pode maturar por
dois meses, ou dois anos. O tempo dependerá da uva utilizada no
processo e do vinho a ser obtido.
O
vinho é definido pela O.I.V. (Office International de la
Vigne et du Vin) como a bebida resultante da fermentação do
mosto (suco) de uvas frescas. E portanto, qualquer outra bebida
fermentada não obtida dessa forma não pode ser denominada vinho,
como é o caso do assim denominado "vinho" de pêssego, ou de
maça.
A fermentação é realizada por microorganismos do gênero
Saccharomyces, destacando-se as espécies S.
ellipsoideus (ou cerevisae ou vini), S.
chevalieri e S. oviformis (ou bayanus). Neste
processo bioquímico os microorganismos convertem moléculas de
carbo-hidratos (açúcares) em álcool, gás carbônico e energia,
conforme o esquema demonstrado ao lado.
Obviamente que o processo de vinificação dos vinhos de mesa:
brancos, tintos, rosés, bem como vinhos de sobremesa e
vinhos espumantes é diferenciado. O vinho branco, que é de
fato amarelo, pode ser feito de uvas brancas ou, mais raramente,
de uvas vermelhas. No segundo caso, o suco da uva deve ser
previamente separado de suas cascas, pois lá estarão os
pigmentos vermelhos. Vinhos tintos são feitos de uvas vermelhas
ou azuladas, cujo suco (sempre incolor) é deixado em contato com
as cascas destas uvas durante a fermentação. Assim, taninos são
transferidos da casca para a uva. Estas espécies vão conferir
cor acentuada ao vinho, bem como sabor. E o vinho rosé? Na
vinificação deste o suco também é deixado em contato com as
cascas de uvas tintas, mas por um período bem mais curto:
algumas horas ao invés de dias e semanas como no caso dos
tintos.
Vinho do Porto
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O vinho do Porto é um dos melhores Vinhos Fortificados
do mundo. Sua "invenção" deve-se a uma das muitas
guerras entre ingleses e franceses, e também a um
conhecimento empírico de química. No final do século
XVII, quando os ingleses não podiam obter vinhos
franceses, eles se viram obrigados a importar vinhos de
Portugal. A fim de garantir a estabilidade dos vinhos
durante o transporte, conhaque foi adicionado ao vinho
pronto. Já no século XIX, os produtores em Portugal
passaram a fortificar seus vinhos durante a etapa de
fermentação. Resultaram então vinhos de alto teor
alcoólico e com açúcar residual. Naturalmente estavam
utilizando o princípio de Le Chatelier, pois a adição de
álcool, produto da fermentação, deslocava o equilíbrio
para os reagentes, açúcares, interrompendo a
fermentação. Detalhe: atualmente os franceses bebem três
vezes mais Porto do que os ingleses. |
Os
Vinhos de Sobremesa, também denominados de Vinhos
Licorosos, são aqueles que tiverem um teor alcoólico maior que
14oGL.
Para
obter este alto teor, álcool é adicionado durante ou após a
fermentação, e talvez o termo mais correto para designar estes
vinhos, já que eles são consumidos antes ou depois das
refeições, seja Vinhos Fortificados.
A
vinificação dos Vinhos Espumantes, tem como principal
diferença o fato do enólogo deixar na garrafa parte do dióxido
de carbono produzido durante a fermentação. É claro que para
produzir uma garrafa de um Champagne não é assim tão simples. O
método denominado de Champenoise consiste na elaboração de um
vinho base, ao qual é adicionado uma certa quantidade de açúcar
refinado (24 g/L de vinho). Realiza-se assim uma segunda etapa
de fermentação, desta vez na garrafa, onde estão presentes ainda
leveduras e clarificante (geralmente bentonita). Durante o
período (cerca de 3 meses) em que o vinho ficará na garrafa,
esta será rotacionada periodicamente e sujeita a inclinações
progressivas com o gargalo para baixo. Durante a fermentação na
garrafa se formarão resíduos sólidos que se acumularão no
gargalo. Para a retirada destes é realizado um congelamento do
gargalo em solução refrigerante, e a abertura da tampa provoca a
expulsão do cilindro de sedimentos pela pressão interna.
Finalmente é adicionado o licor de expedição: vinho velho ou
conhaque + açúcar e fechada a garrafa com rolha de cortiça.
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PASSO a PASSO: Os processos na fabricação do vinho
Chateau em St. Emilion (FR)
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A
colheita já é, na verdade, uma etapa posterior a várias outras
etapas iniciais, como o preparo do solo, o controle de pragas
nas videiras, a irrigação artificial, entre outras.
Na
França, ao contrário do Brasil, as videiras não são plantadas em
parrerais, com suportes: as videiras são como pequenos arbustros,
que crescem livremente. Muitas delas, dependendo do chateau,
são centenárias. Algumas tem mais de 500 anos! Existe uma
relação entre a idade da planta e a qualidade do vinho: quanto
mais velha, mais enraizada está a videira, e mais chance de
sugar nutrientes do solo ela possui. Por consequência, melhor
será a qualidade da uva.
Como
a uva têm enorme influência
sobre o sabor e qualidade do vinho, a colheita
precisa ser feita no tempo certo. Uma colheita prematura resulta
em um vinho aguado, com baixa concentração de álcool. Ja uma
colheita tardia, produz um vinho rico em álcool, mas com pouca
acidez. Tão logo a uva é colhida, passa-se à etapa seguinte: o
esmagamento.

Outrora feito com os pés dos vinicultores, hoje é
um processo mecanizado.
Geralmente, as uvas são dispostas em um cilindro metálico
perfurado, onde pás giram a mais de 1.200 rpm. No final, as
cascas estão separadas das uvas, e se obtém uma grande "sopa" de
suco, cascas e sementes. Dependendo do tipo desejado do vinho,
opta-se por um diferente processo. Para a produção do vinho
tinto, esta sopa é prensada por vários dias, e todo o conjunto é
fermentado. Apos alguns dias, o suco é então separado. A parte
solida que resta é chamada de pomace, e pode ser
utilizada para o preparo de certos licores.

Esta
é a etapa mais importante e
mais complicada de todo o processo.
Aqui,
os químicos sao vitais. Entre outros, é necessário um rígido
controle da temperatura, supressão de microorganismos
indesejados, presença adequada de bactérias de fermentação,
nutrição adequada para estas bactérias, prevenção da oxidação,
etc.. A escolha da bactéria adequada para o tipo da uva é
fundamental, e motivo de discórdia entre vários enólogos. A mais
comum é a Saccharomyces cerevisae, mas outras espécies
deste mesmo gênero tambem tem sido vastamente utilizadas. Para
cada ml do suco, utiliza-se uma população de cerca de 1 milhão
de células de bactérias!
O
controle da temperatura durante a fermentação alcoólica é
necessário para (1) facilitar o crescimento das bactérias, (2)
extrair os componentes de sabor e cor das cascas, (3) permitir o
acúmulo de produtos laterais desejados, e (4) prevenir o
extermínio das bactérias.
A
temperatura ideal para
a maior parte dos vinhos é de cerca de 25oC.
Mas esta etapa raramente é iniciada nesta temperatura, pois a
fermentação naturalmente eleva a temperatura do suco, e os
vinicultores devem evitar que esta ultrapasse a marca dos 30oC,
onde as bactérias morreriam. Hoje este controle é automatizado,
sendo que as pipas metálicas contém sistemas de troca de calor,
e todo o processo é termostatizado.
O
contato com o ar deve ser evitado, do contrário ocorreria a
oxidação do vinho. Isto é feito pelo lacramento dos recipientes
onde a fermentação é realizada e, algumas vezes, pela introdução
de CO2. Apos a fermentação,
adiciona-se pequenas quantidades de SO2
ou ácido ascórbico, como anti-oxidantes.
Apos
a fermentação, o vinho é decantado e o líquido sobrenadante é
então separado. O vinho esta pronto, então, para o segundo
processo de fermentação.

Esta
etapa é bastante executada na europa, sobretudo na França. No
Brasil, entretanto, os vinicultores não dão, ainda, muito valor
para esta fermentação.

O ácido malônico
é transformado em

ácido lático.
O processo provoca a liberação de

gás carbônico
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Há muito tempo se sabe que, mesmo finda a fermentação alcoólica,
observa-se a evolução de dióxido de carbono do vinho. Há poucos
anos, químicos descobriram que esta segunda fermentação se devia
a ação de enzimas sobre o
ácido malônico, presente no vinho, e a sua transformação em
ácido lático. Neste processo, vários agentes de
sabor, muitos ainda não estudados, são formados. Este processo
produz um sabor diferenciado ao vinho; por isso, também, os
vinhos franceses são tão diferentes dos demais.
Esta etapa é extremamente caprichosa: se a fermentação for
excessiva, os vinhos ficarão aguados, baixos em acidez, e ricos
em diacetilas, que podem até mesmo ser tóxicas, quando em
excesso. Um grande controle é feito, através de leituras da
composição por cromatografia. Quando o ácido malônico atinge um
certo patamar; adiciona-se SO2 para
inibir esta fermentação.
Um
excelente artigo sobre o tema foi publicado em 1999 por
pesquisadores da Faculté d'Oenologie, da Université
Bordeaux 2. Gilles de Revel (veja, adiante,
entrevista com este enólogo) e seus colegas observaram que, além
de influenciar decisivamente no sabor do vinho per si, a
fermentação malônica também auxilia a extração de componentes
flavorizantes dos barris de carvalho. O artigo descreve as
principais mudanças organolépticas ocorridas com o vinho que
sofre a fermentação malônica. (Contribution
to the Knowledge of Malolactic Fermentation Influence on Wine
Aroma, J. Agric. Food. Chem., 1999, 47, 4003)

Uma
prática muito antiga, hoje é feita com requintes científicos.
Envolve processos como
filtração, centrifugação, refrigeração, troca iônica e
aquecimento. Nesta etapa, o vinho é clarificado,
grande parte dos produtos precipitáveis é extraída, e muitos
íons metálicos, que tornam o vinho turvo, são retirados.

O vinho que tomamos é, geralmente, transparente à luz. Mas não é
desta forma que ele sai dos barris de fermentação. Muitas
proteínas e complexos metálicos o deixam turvo, opaco. Entre as
formas atuais de clarificação, encontram-se o uso de colunas de
sílica, PVP ou caseína. Nos EUA, utiliza-se cufex, um
produto que contém ferrocianato de potássio, para a extração de
íons como o cobre e ferro. O uso de bentonita ajuda a
remoção de proteínas.
Outro problema é o excesso de tartaratos, que podem precipitar,
no vinho. O tartarato pouco solúvel é o de sódio; por isso,
modernas vinícolas utilizam um processo familiar aos químicos, o
de troca iônica, onde os íons sódio são substituídos por
potássio, gerando um tartarato mais solúvel.
Finalmente, o vinho passa por uma pasteurização, onde é aquecido
subitamente até cerca de 80oC e então
resfriado. Alem de acabar com as bactérias restantes, o método
auxilia na precipitação das proteínas que por ventura estiverem
no vinho.

Muitos vinhos tem o sabor melhorado se armazenados por alguns
anos.
Durante
este tempo, a acidez diminui, varias substâncias pouco solúveis
acabam precipitando e vários componentes formam complexos
afetando o sabor e odor. Uma das formas de envelhecimento mais
clássica é a feita em barris de carvalho. Estes barris são
porosos, e permitem a entrada de oxigênio e a saída de água e
álcool. O vinho tambem extrai componentes da madeira, que
influenciam no aroma final. A cada nova safra, os barris devem
ser totalmente renovados, do contrário ocorreria a proliferação
de fungos ou outros microorganismos indesejáveis.
Vários artigos recentes descrevem o
efeito do envelhecimento sobre a
composição química do vinho, mas pouco se sabia até
alguns anos atrás. O vinho é um excelente meio reacional e,
durante o envelhecimento, várias reações químicas podem ocorrer.
Entretanto, mais de 90% de todo o vinho consumido no mundo sofre
apenas 2 anos de envelhecimento. No Brasil, esta prática não é
comum, e os vinhos sao engarrafados pouco tempo após a
fermentação.

Antes de ser engarrafado, o vinho ainda passa por algumas
etapas, que visam corrigir o pH, a cor ou concentração de O2
dissolvido. Muitas vezes, as garrafas são saturadas com CO2
antes de receberem o vinho.
Na
França, as garrafas sempre são novas e nunca reutilizadas, para
evitar a contaminação do vinho por microorganismos estranhos. A
garrafa é, em geral, escura, para evitar a fotoindução da
oxidação do vinho.
A rolha é muito importante:
precisa ser de boa qualidade, senão pode alterar drasticamente o
sabor do vinho. Mesmo se utilizando uma excelente rolha, muitos
componentes desta acabam sendo extraídos pelo vinho; o mais
comum e mais estudado é o 2,4,6-tricloroanisol. J.M Amon
e colegas relataram, em um trabalho recentemente publicado, que
cerca de 65% dos vinhos contém este composto. Um método para a
quantificação desta substância, via cromatografia e
espectrometria de massa, foi desenvolvido por Thomas Evans
e colegas do Departament of Viticulture and Enology, da
University of California (Journal
of Chromatography A, 786 (1997), 293)
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A Enologia
Na universidade de Bordeaux 1 situa-se
uma das mais reconhecidas escolas de
enologia. Extremamente multidisciplinar,
anualmente formam-se centenas de mestres
e doutores na ciência do vinho.
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Antes do século 19,
pouco se sabia sobre o processo de fermentação da uva ou do
processo de deterioramento do vinho. Tantos os gregos como os
romanos bebiam todo o seus vinhos logo no primeiro ano apos o
preparo, pois não haviam
técnicas para a conservação eficaz. Eles costumavam
adicionar flavorizantes, como ervas, mel, queijo ou até mesmo
sal, para disfarçar o gosto do vinagre. Com os vinhos descritos
no velho testamento, acontecia a mesma coisa: o consumo deveria
ser mais rápido do que a sua deterioração.
No
século 17, com a invenção do saca-rolhas e com a produção
em massa de garrafas de vidro, os vinhos começaram a ser
armazenados por vários anos.
Louis Pasteur
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Nasceu no dia 27/12/1822 em Dole (Jura/FR). Entre
várias descobertas, destaca-se a teoria de que as
doenças são causadas por germes - uma das mais
importantes em toda a história médica. Esta
descoberta foi o pedra fundamental da microbiologia.
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"Existe mais filosofia em uma garrafa de vinho que em todos
os livros."
PASTEUR (1822-1895)
Mas
foi somente na metade do século 19 que a produção do vinho
ganhou requintes científicos: o químico francês
Louis Pasteur explicou a origem
química da fermentação e identificou os agentes
responsáveis por este processo. Ele tambem inventou um método
para matar a bactéria responsável pelo deterioramento do vinho,
que hoje é chamado de pasteurização. Com o passar dos
anos, mais a ciência se adentrou na vinicultura: houve avanços
na fisiologia das plantas, nos conhecimentos de patologias das
videiras, e mais controle do processo de fermentação. Logo,
vieram os tanques de aço inoxidável, que além de poder serem
limpos facilmente tambem permitem controlar a temperatura do
vinho sem dificuldade.
Hoje, a química esta presente em todas as etapas: diariamente,
alíquotas do líquido fermentado são colhidas e analisadas em
cromatógrafos; o solo onde as videiras são plantadas é
minuciosamente preparado com aditivos químicos; sabe-se
exatamente que tipo de substâncias podem se desprender do barril
ou das rolhas e influenciarem no sabor do vinho; sabe-se quando
o vinho está pronto pela sua
assinatura química em um GPC.
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Fenóis e Seus Benefícios à Saúde
A
presença de antioxidantes em nossa dieta reduz a incidência de
doenças do coração e câncer. É sobre este tema que se baseiam
muitos dos estudos sobre a
estreita relação entre vinho e saúde.
Os
estudos relacionados aos benefícios do consumo moderado do vinho
à saúde parecem ser unânimes em afirmar que o vinho é a bebida
alcoólica mais eficaz na redução dos riscos de mortalidade por
doenças do coração. As substâncias fenólicas (polifenóis e
flavonóides) que contribuem nas propriedades sensoriais do vinho
são as responsáveis pelos benefícios. Ao polifenol chamado de
transresveratrol são atribuídos os maiores benefícios,
especialmente no que diz respeito à formação do colesterol HDL.
O resveratrol é estrogênico, e por isso poderia substituir o
estradiol ao manter a proliferação de certas células do câncer
de mama que necessitam estrogênio para crescer. O resveratrol é
um potente antiinflamatório e por isso seu efeito
anticancerígeno, permitindo ao organismo bloquear a produção de
certas substâncias químicas, conhecidas como prostaglandinas,
que têm sido relacionadas a transformações de lesões
pré-cancerosas em lesões malignas.
Um
artigo na revista Science, publicado em 1997, descreveu
os mecanismos pelos quais o resveratrol pode ser considerado
anticancerígeno (M. Jang et al.,
Science 275 (1997), 218). O resveratrol
inibe eventos celulares
associados com a iniciação, promoção e progressão de tumores
cancerígenos. O composto também atua como um
antimutágeno e tem propriedades fungicidas. Este composto já foi
encontrado em 72 espécies vegetais, sendo que muitas delas fazem
parte da dieta humana. No caso das variedades vinifera, a
síntese do resveratrol ocorre na casca da fruta - uma arma da
planta, talvez, contra o ataque de fungos.
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Composição do
Vinho
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>ÁGUA : 85 - 90%;
> ALCOÓIS
7 - 24%:
Etanol (72-120 g/L)
Glicerol (5 -10 g/L)
Outros álcoois (Metanol, isopropil, etc)
> ÁCIDOS
1 - 8%(Total de 5-7 g/L)
(V = Voláteis; F= Fixos)
PROVENIENTES DA UVA:
- Tartárico : 50-90% (F)
- Málico : 10-40% (F)
- Cítrico : 0-5% (F)
PROVENIENTES DA FERMENTAÇÃO:
- Succínico (F)
- Lático (F)
- Acético (V)
- Butírico (V)
- Fórmico (V)
- Propiônico (V)
- Carbônico (V - nos espumantes = ± 0,5 g/L)
> AÇÚCARES
0 - 15%
- Glicose (na uva:7-15%)
- Frutose (idem)
- Outros (Xilose e Arabinose)
Obs.: Legislação Brasileira: Teor de açúcar p/ secos: <
5g/L; meio secos: 5 a 20 g/L; suaves e doces: > 20 g/L.
> FENÓIS
- Taninos
- Antocianinas
- Flavonas
- Outras (fenóis ácidos, etc.)
Obs.: Total de substâncias fenólicas: nos brancos <
350 mg/L, nos tintos até 3.000 mg/L.
> OUTRAS SUBSTÂNCIAS
- Aldeídos: Acetaldeído
- Ésteres: provenientes dos ácidos acético, tartárico e
málico
- Vitaminas: A, C, B1, B2, B6, Biotina, Niacina,
Inositol e Ác. Pantotênico
- Amino- ácidos: alan, argin, glic, cistid, leuc,
isoleuc, prol, metion, lis, ser, treon, tiros, valin,
fenilalan e aspart
- Sais minerais: Na, K, Cl, Ca, Mg, Fe, Mn, Cu, Zn, Cr,
Si, I, B, Mo, Ti, V.
- Conservantes: P-V (SO2 ou
anidrido sulfuroso ou metasulfito), P-IV (sorbato de
potássio). |
Vinho: o que há na garrafa?
Existem virtualmente milhares
de compostos químicos diferentes dentro de uma
simples garrafa de vinho, pertencentes às mais distintas classes
químicas. Muitos já são conhecidos pela ciência, mas ainda há
bastante a ser estudado. A função de cada composto nas
propriedades organolépticas e físico-químicas do vinho é tema de
estudo para os enólogos.
Abaixo, apresentamos um pequeno resumo das principais classes de
compostos presentes no vinho.
Os
ácidos graxos no vinho têm origem nos firmes tecidos das uvas.
Entretanto, a maior parte é formada durante a fermentação
alcoólica, uma vez que ácidos graxos podem ser liberados pelos
fermentos, como descreve o artigo de E. Pueyo et al.,
publicado em 1989 no American Journal of Enologie and
Viticulture (Am. J. Enol.
Vitic. 40 (1989) 175). Estes compostos ocorrem, no vinho,
de duas formas: livres (Cn, onde n é o número de carbono da
cadeia alquílica do ácido) ou ligados, principalmente sobre a
forma de etil ésteres, uma vez que etanol é o álcool mais
abundante neste ambiente (CnE: éster etílico de um ácido graxo).

Fração de cromatograma de uma amostra de vinho. Os picos
representam diferentes ácidos graxos
(Journal of Cromatography A 776
(1997) 283) |
Os ácidos graxos contribuem muito para o sabor do vinho: os
ésteres diretamente, pois possuem fortes aromas e odores
característicos; os ácidos livres, indiretamente, como
precursores de aldeídos e alcoóis de seis carbonos, que possuem
sabor herbáceo. Não obstante, os ácidos graxos contribuem para a
estabilização e formação da espuma em vinhos espumantes.
Amino-ácidos + compostos
carbonílicos
|
Os
aminoácidos representam a mais
importante forma de compostos
nitrogenados nos vinhos. Devido ao seu caráter
polifuncional, os amino-ácidos possuem uma grande reatividade
química com respeito a compostos carbonilados - particularmente
com açúcares, de acordo com a reação de Maillard. Este reação
leva a compostos alfa-dicarbonílicos, que são frequentemente
encontrados no vinhos após as fermentações alcoólica e
malonática. Nos vinhos, estes compostos estão em equilíbrio de
oxiredução, isto é, com suas formas alfa-hidróxi-cetonas e
alfa-dióis.
Odores provenientes de amino-ácidos +
compostos alfa-dicarbonílicos
|
substratos |
produtos da reação |
odor no vinho |
cisteína +
glioxal, diacetil ou 2,3-pentanodiona |
H2S, dissulfeto de
carbono, pirazina, metanotiol,
trimetiozazole, 2-metil-tiazole |
ovos podres, enxofre, defumado, torrado, nozes,
pipoca |
metionina +
glioxal, diacetil ou 2,3-pentanodiona
|
metanotiol, dissulfeto de dimetila, metional |
batata e repolho |
valina +
glioxal, diacetil ou 2,3-pentanodiona
|
2-metil-propanal |
queijo |
leucina +
glioxal, diacetil ou 2,3-pentanodiona
|
3-metil-butanal |
amílico |
iso-leucina +
glioxal, diacetil ou 2,3-pentanodiona
|
2-metil-butanal |
frutas |
fenilalanina +
glioxal, diacetil ou 2,3-pentanodiona
|
benzaldeído, fenilacetaldeído |
floral |
(Gilles de Revel et. al., J. of Agric. Food Chem. 48
(2000) 3761) |
Os
amino-ácidos têm grande
importância no sabor do vinho, além de atuarem como
precursores de diversos outros compostos também flavorizantes. A
formação destes produtos depende muito de diversas variáveis as
quais o vinho pode ser submetido, como pH, temperatura,
concentração de dióxido de carbono, exposição ao oxigênio e
tempo de envelhecimento. A cisteína - um dos amino-ácidos
sulfonados, leva à formação de heterocíclos como pirazinas,
metil-tiazoles, acetil-tiazolidina, entre outros, que contribuem
largamente para o sabor final do vinho: estes compostos agregam
aromas como o de pipoca, nozes, defumado e enxofre. Por isso o
controle rigoroso da quantidade de amino-ácidos e os caminhos
metabólicos sofridos por estes no processo da fabricação do
vinho é extremamente importante, pois um descontrole levaria a
perda de qualidade olfativa da bebida.
É
natural de se esperar encontrar, no vinho, muitos carbo-hidratos,
afinal ele é feito a partir de um vegetal. E, de fato, existem
muitas substâncias desta classe na bebida: tanto sacarídeos como
poli-sacarídeos, tal como a celulose, hemicelulose e xiloglucana.
Existem, ainda, glucosídeos ou
poli-sacarídeos peptídicos, como a homogalacturonana.
Hewitt et al. publicaram um artigo, ainda em 1956 (Food Tech.
Oct. (1956) 487), descrevendo os glucosídeos como uma fonte
potencial para compostos flavorizantes: embora não tenham odor,
podem vir a liberar, mediante ação enzimática, alcoóis e
açúcares que contém odor e aroma característicos.

(K.M. Hemingway et al., Carbohydrate Polymers 38 (1999)
283-286)
|
Um exemplo é a hidrólise de um dos glucosídeos encontrados na
uva - o neril-b-D-glucopiranosídeo,
que leva à formação de uma molécula com um odor muito intenso, o
nerol. A hidrólise dos glucosídeos podem ocorrer em várias
etapas do processo: na maturação da uva, durante a fermentação,
no envelhecimento do vinho ou, ainda, durante o consumo: uma
grande quantidade de glucosidases foram encontrados na saliva,
derivadas da microflora da boca (Nakamura
et al., J. Periodontal Res. 18 (1983) 559).
Vários estudos sugerem que boa
parte da expressão sensorial do bouquet do vinho
se deve à presença de compostos terpenóides. Além disso, a
relação entre as quantidades de cada terpeno em um vinho pode
servir como pista para se descobrir a variedade da uva
utilizada. Hoje, conhecem-se cerca de 50 monoterpenos que,
comumente, aparecem nos vinhos. Os mais abundantes
(principalmente para vinhos feitos com uvas Muscat) são o
linalol, geraniol, nerol alfa-terpineol e citronelol. Os
terpenos pertencem ao constituintes secundários das plantas, e
sua bio-síntese começa com a acetil-coenzima A (CoA). Estes
compostos não sofrem alterações durante as fermentações no
vinho: portanto eles são, de fato, uma assinatura de sabor ao
vinho que vem da variedade de uva escolhida.
Alguns dos mais abundantes
mono-terpenos no vinho |

citronelol

geraniol
|

linalol

terpineol |
Na uva, os terpenos estão principalmente nas cascas e, na
maioria das vezes, ligados covalentemente a açúcares - como o
caso do nerol, anteriormente visto. Muitos terpenos, mesmo após
findo todos os processos da fabricação do vinho, permanecem,
ainda, ligados a estes açúcares. Nesta forma, os terpenos são
inodoros e insípidos. Atualmente, vários pesquisadores do mundo
inteiro estão estudando as etapas das hidrólises destes
glucosídeos para passarem a
controlar a liberação destes terpe-nos, no vinho, ao
seu bel prazer.
|
Detalhes... importantes!
Nem só a qualidade da uva ou o controle
no processo de fermentação pode ter influência sobre o sabor do
vinho. Muitos outros detalhes são também extremamente
importantes. Entre eles, a qualidade do barril onde ele é
envelhecido e da rolha que tampa a garrafa.
Alguns vinhos perdem sua qualidade pela influência de uma rolha
de má qualidade que pode estar contaminada por fungo, ou
ressecada.
Por
este motivo, ainda que a rolha de cortiça (de boa qualidade)
seja considera a parceira ideal das garrafas da nobre bebida,
isolando completamente o líquido do oxigênio externo, sua
substituição já é aceita por muitos. Várias são os estudos para
o desenvolvimento de novos isolantes (materiais poliméricos são
os mais empregados) para os vinhos. Um em especial chama a
atenção: o emprego de rolhas
de cortiça tratadas com enzimas. Estes estudos foram
desenvolvidos pela mega empresa no ramo de enzimas, a Novozymes,
em colaboração com uma empresa alemã. Rolhas são impregnadas com
Subarase, uma fenol-oxidase, evitando assim a oxidação dos
compostos fenólicos presentes no vinho.
Cerca de U$ 10 bilhões são perdidos, anualmente, devido a
contaminação do vinho com substâncias provindas da rolha. Até 5%
das garrafas sofrem este mal. Dentre os compostos mais
frequentemente associados ao "mal da rolha", encontra-se o
2,4,6-tricloroanisol (TCA). Em um artigo publicado em 1989,
Amon e seus colegas da Nova Zelândia analisaram centenas
de amostras diferentes de vinhos e encontraram pequenas
quantidades de TCA em 62% das garrafas (J.M.Amon
et al. New Zealand Wine Indust. J. 4 (1989) 62). O TCA é
introduzido nos vinhos por defeitos no fechamento da rolha. Os
humanos são capazes de detectar a presença de TCA mesmo em
concentrações da faixa de 2 ng/ml! Algumas empresas já estudam a
substituição da famosa rolha de cortiça por protótipos de
polímero - tal como o teflon. Porém, enófilos tradicionais
discordam deste artifício.
Todos sabem que os melhores vinhos são aqueles envelhecidos em
barris de carvalho. Esta é uma evidência empírica - o vinho
torna-se, de fato, mais "saboroso".
Mas
qual é, de fato, a
contribuição do barril para o sabor do vinho?
Esta dúvida também atingiu alguns químicos, que encontraram a
resposta. Vários componentes do carvalho são extraídos, pelo
vinho, durante o envelhecimento. Entre eles, os isômeros cis-
das "oak lactonas",
tal como o 4S,5S-5-butil-4-metil-4,5-di-hidro-2(3H)-furanona.
Estes compostos conferem ao vinho um incremento nas tonalidades
"coco", "baunilha" e "chocolate" de seu sabor. O interessante é
que a adição, proposital, de isômeros trans- destes compostos
diminui a qualidade palatativa do vinho.
vescalagina: R1=OH R2=H
castalagina: R1=H R2=OH
|
Entretanto, o barril também
pode influenciar negativamente no sabor do vinho.
Muitas vezes, a madeira com a qual o barril é feito, foi
previamente tratada com compostos como ésteres de
hexa-hidroxidifenoilas (HHDP), na intenção de protegê-la contra
o ataque de fungos ou bactérias. Estes compostos conferem um
sabor adstringente ao vinho, diminuindo a sua qualidade. Os dois
HHDP mais abundantes são a vescalagina e a castalagina. Ambos
são encontrados em muitos vinhos envelhecidos em barris de
madeira. Por isso, muitas vinícolas preferem não arriscar e
utilizam tanques de aço inoxidável.
"Agora que a velhice começa preciso aprender com o vinho a
melhorar envelhecendo, e sobretudo, escapar do perigo terrível
de envelhecendo virar vinagre."
DOM HELDER CÂMARA
|
AROMA DO VINHO
A química dos vinhos é foco de grande pesquisa, graças à
complexidade dos aromas voláteis que contribuem para seu
sabor e às variações que surgem a partir de diferentes tipos
de uva, regiões e idades da bebida.
O artigo publicado em 2008, na revista científica
Chemical Society Reviews,
faz uma revisão sobre a importância dos constituintes
voláteis e não voláteis do vinho, bem como as principais
técnicas de análise química [1].
O sabor é uma combinação de modalidades sensoriais, cujo
aroma é seu maior contribuinte em função da percepção
retronasal. A tabela 1 mostra alguns atributos sensoriais
relacionados ao sabor dos vinhos e, na figura 2, está
representada a estrutura química de substâncias associadas a
estes atributos.
Tabela 1: Modalidades
sensoriais e substâncias que contribuem
para o sabor dos vinhos (adaptada da referência [1])
Modalidade sensorial |
Atributo |
Exemplo de compostos presentes no vinho |
Gosto |
Doce |
Glicose, frutose |
Ácido |
Ácido tartárico |
Salgado |
Cloreto de sódio |
Amargo |
Catequina |
Cheiro/aroma |
Floral |
Linalol |
Sensibilidade química |
Aquecimento da boca/calor |
Etanol |
Tato |
Viscosidade |
Glicerol, polissacarídeos |
Adstringência |
Taninos |
Visão |
Vermelho |
Malvidina-3-glicosídeos |
|
|
|
a) |
b) |
c)
[Fonte
da Figura] [4]
|
Figura 2: Exemplo
de constituintes do sabor: a) linalol; b) ácido
L-tartárico; c) cristais de tartarato ácido de
potássio formados em rolha de vinho, os chamados
diamantes de vinho |
Embora um
vinho comporte
milhares de substâncias, apenas uma parte efetivamente
contribui para a percepção sensorial de seu aroma. Além
disso, este aroma complexo é derivado da uva, da
fermentação pelas leveduras,
das fermentações secundárias e do envelhecimento/estocagem.
Por exemplo, a fermentação por Saccharomyces cerevisiae
leva a formação de álcoois como o etanol. Já uma segunda
fermentação empregando Oenococcus oeni conduz à
biacetila (2,3-butanodiona)
(ver
Novidades na Ciência da SBQ Rio),
responsável pelo aroma amanteigado dos vinhos Chardonnay.
Por sua vez, o armazenamento de um vinho em barris de
carvalho introduz a β-metil-γ-octalactona contribuindo para
um aroma amadeirado. Vinhos estocados em barris de aço
inoxidável apresentam, portanto, propriedades sensoriais
mais simples.
Ann C. Noble
(Professora da Universidade da Califórnia, em Davis)
desenvolveu uma roda com descritores de aromas [5], onde o
arco central possui atributos mais gerais como “frutado”,
“oxidado” e “terroso”, enquanto o arco mais externo expressa
descritores mais precisos como, por exemplo, “ananás”, “uva”
e “compota de morango” para o atributo frutado [6] (Figura
3). É possível associar algumas substâncias a atributos
específicos de aromas presentes em certas variedades de
vinhos (Tabela 2).
 |
|
Tabela 2: Substâncias
odorantes segundo tipos de vinho ou uva e aromas
característicos
(adaptada da referência [1])
|
Variedade
|
Odorantes característicos
|
Estrutura/Qualidade do odor
|
Cabernet Sauvignon, Sauvignon blanc, Cabernet
franc, Merlot, Carménère
|
3-isobutil-2-metoxipirazina (IBMP)
|
|
Sauvignon blanc, Scheurebe
|
4-metil-4-mercaptopentan-2-ona
|
|
Shiraz
|
(-)-rotundona
|
|
Como os constituintes dos aromas dos vinhos são voláteis, a
análise de seus componentes é realizada principalmente por
cromatografia gasosa (CG). Antigamente, amostragem dos
vinhos para análise era feira por destilação ou extração com
solventes, porém hoje os métodos mais utilizados são (Figura
4):
Headspace,
onde o vapor desprendido da amostra, que contém
as substâncias voláteis de interesse, é
capturado diretamente por seringas ou
adsorventes.
[Fonte
da Figura] [8]
|
 |
 |
Microextração em fase sólida
(do inglês Solid Phase Micro Extraction,
SPME), que faz uso de um adsorvente como
sílica diretamente inserido no analito ou na
forma de headspace e dispensa o uso de
solventes.
[Fonte
da Figura] [9]
|
Extração por adsorção em barra agitadora
(Stir Bar Sorptive Extraction - SBSE),
onde um agitador magnético confeccionado de
material adsorvente é colocado na amostra e
agitado por determinado período. O agitador é,
em seguida, transferido para uma unidade (até
mesmo um frasco com solvente puro), onde a
dessorção permite a injeção do analito.
[Fonte
da Figura] [10]
|
 |
Figura 4: Métodos
para amostragem dos vinhos
A detecção dos constituintes do aroma é realizada por
cromatografia gasosa e duas técnicas são características
nesta análise: a cromatografia gasosa bidimensional (CGxCG,
mais recente), onde duas colunas ortogonais permitem melhor
separação dos constituintes, tendo como base propriedades
como volatilidade e polaridade; e a cromatografia gasosa
acoplada a um detector olfatométrico (CG-O), onde a
importância de cada composto para o aroma como um todo é
reconhecida por um usuário que cheira o efluente da coluna
através de uma saída de sniff (Figura 5b).
Através da análise por CG-O, um odorante pode ser percebido
mesmo que sua quantidade seja inferior ao limite de detecção
das técnicas usuais de cromatografia, caso seu impacto
sensorial seja grande. Além disso, compostos presentes em
grande quantidade em uma amostra podem não contribuir
significativamente para o aroma final.
O impacto de aromas isolados pode não refletir o aroma final
em uma mistura de substâncias. Por isso, ensaios de
reconstituição e de omissão de aromas, a partir de seus
constituintes e nas quantidades encontradas nos analitos,
são frequentemente realizados na análise dos vinhos. Pode-se
ainda identificar substâncias que agem de maneira
sinergística para um aroma.
O fenômeno
de liberação de um odor após certos segundos de sua ingestão
é chamado de efeito retroaromático. A explicação para este
fenômeno é a transformação de precursores não-odorantes em
compostos voláteis por ação da microflora da boca, que age
como um reator químico. Por exemplo, o tioéter inodoro
1, presente no vinho, dá origem ao tiol
odorante 2 (Esquema 1) [13].
 |
Esquema 1: Transformação
de S-conjugado de cisteína em composto
volátil
|
Novas estratégias para estudos dos aromas dos vinhos são a
genômica e a proteômica. Graças ao recente sequenciamento do
genoma das uvas, a identificação de genes permite a
comparação entre diversas variedades e o estudo da expressão
de proteínas associadas à produção de terpenos, segundo os
estágios de crescimento das uvas.
Finalmente, o sequenciamento do genoma humano pode também
contribuir para uma melhor compreensão de fatores genéticos
que influenciam as diferenças individuais na percepção do
aroma dos vinhos.
Referências Bibliográficas
[1] Poláskšková, P.; Herszage, J.; Ebeler, S. E. Chem.
Soc.
Rev.
2008, 37, 2478.[CrossRef]
[2] Key, D. Now that's what you call a real vintage:
professor unearths 8,000-year-old wine.
The Independent,
28 Dez 2003. Disponível em: <http://www.independent.co.uk/news/science/now-thats-what-you-call-a-real-vintage-professor-unearths-8000yearold-wine-577863.html>.
Acesso em: 30 janeiro 2009.
[3] Silveira, R., Cadê o Monteiro? Disponível em: <http://www.storm-magazine.com/novodb/arqmais.php?id=585&sec=&secn>.
Acesso em: 30 janeiro 2009. =
[4] Wine Diamonds no Flickr. Disponível em: <http://www.flickr.com/photos/abk-images/2407107820/>.
Acesso em: 16 novembro 2008.
[5] Noble, A. C.; Arnold, R. A.; Buechsenstein, J.; Leach,
E. J.; Schmidt, J. O.; Stern, P. M. Am.
J. Enol. Vitic.
1987, 38, 143. [Link]
[6] Maia, D. G., Coisas dos Vinhos. Disponível em: <http://danielgoncalvesmaia.blogspot.com/2007/07/roda-dos-aromas-e-os-aromas-na-prova-ii.html>.
Acesso em: 30 janeiro 2009.
[7] Maia, D. G., Coisas dos Vinhos. Disponível em:
<http://danielgoncalvesmaia.blogspot.com/2007/07/roda-dos-aromas.html>.
Acesso em: 30 janeiro 2009.
[8] Metrohm USA Inc. Disponível em:
<http://www.brinkmann.com/products/titr_774_de.asp>.
Acesso em 16 novembro 2008.
[9]
SMI-LabHut Ltd. Disponível em: <http://www.labhut.com/products/autosamplers/autosampler_ht280t.php>.
Acesso em: 16 novembro 2008.
[10] Anatune Intelligent Analytical Solutions. Disponível
em: <http://www.anatune.co.uk/component/content/article/75-gerstelsbse.html>.
Acesso em: 16 novembro 2008.
[11] Marriot, P., Comprehensive 2D Gas Chromatography —
Making GC Separations Work Harder. Disponível em: <http://www.restek.com/aoi_editorial_A004.asp>.
Acesso em: 16 novembro 2008.
[12] Alström, T., Beeradvocate. Disponível em: <http://beeradvocate.com/smack/archives/2007/07>.
Acesso em 16 novembro 2008.
[13] Starkenmann, C.; Le Calvé, B.; Niclass, Y.; Cayeux, I.;
Beccucci, S.; Troccaz, M. J Agric Food Chem.
2008, 56, 9575. [CrossRef]
Aprofundando o Assunto
Sobre a técnica SBSE e sua aplicação na análise de fármacos
em fluidos biológicos ver: Chaves, A. R.; Queiroz, E. C.
Quim. Nova 2008, 31, 1814.[CrossRef]
Sobre cromatografia ver: <http://en.wikipedia.org/wiki/Chromatography>.
Acesso em: 04 fevereiro 2009.
Sobre CG-O ver: van Ruth, S. M. Biomol. Eng.
2001, 17, 121. [CrossRef]
E sobre outras análises de alimentos por CG-O ver:
- Análise de pitanga: Melo, R. M.; Corrêa, V. F. S.; Amorim,
A. C. L.; Miranda, A. L. P.; Rezende, C. M. J. Braz.
Chem. Soc.
2007, 18, 179. [CrossRef]
- Análise de chocolate amargo: Counet, C.; Callemien, D.;
Ouwerx, C.; Collin, S. J. Agric. Food Chem.
2002, 50, 2385. [CrossRef]
- Análise de bifes: Machiels, D.; Istasse, L.; van Ruth, S.
M. Food Chem. 2004, 86,
377. [CrossRef]
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