
Como uma
criança, ficamos fascinados pelo brilho dos
vaga-lumes de verão. Mas, o que realmente está
acontecendo com eles? A Luz é uma força tal
poderosa em nosso universo que a idéia de um
organismo poder criar sua própria luz é algo
inacreditavelmente excitante.
Como eles estão produzindo esta "luz"?
E por que é útil para a sobrevivência deles?
Vaga-lumes necessariamente devem utilizar esta
habilidade fantástica para algum propósito
importante. Além
disso, esse fenômeno pode ser usado para facilitar a
vida de nossos cientistas.
Nós do
NAEQ
pretendemos falar um pouco mais sobre a química
desse maravilhoso fenômeno da Natureza. Para
começar, dum poema sobre o círculo vicioso da vida,
Machado de Assis escreve sobre um vaga-lume que
invejava o brilho louro da estrela, que por sua vez
desejava ser a lua ...(leia ao lado).
No final do
artigo, há uma entrevista exclusiva com o
Dr.
Etelvino José Henriques Bechara,
uma das maiores
autoridades a nível internacional
no estudo desse
fenômeno. |
Círculo Vicioso
Bailando no ar,
gemia inquieto vaga-lume:
"Quem me dera que eu fosse aquela loira estrela
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!"
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
"Pudesse eu copiar-te o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela"
Mas a lua, fitando o sol com azedume:
"Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume"!
Mas o sol, inclinando a rútila capela:
Pesa-me esta brilhante auréola de nume...
Enfara-me esta luz e desmedida umbela...
Por que não nasci eu um simples
vaga-lume?"...
Machado de Assis |
Porque os
vaga-lumes emitem luz?
No entento de chamar a
atenção de sua parceira,
o vaga-lume acende sua "lanterna biológica". A
intensidade, a velocidade e a freqüência dos flashes
variam de acordo com a espécie. As cores de suas
lanternas oscilam do verde-amarelado ao laranja,
passando pelo vermelho, cor emitida por um único
grupo de coleópteros que só se pode encontrar no
Brasil.(veja as espécies de coleópteros ao lado)
O fenômeno da luz brilhante é denominado
"Bioluminescência" e diversos organismos possuem
essa capacidade de emitir luz. Na definição geral,
temos que é "o
processo em que luz é produzida por uma reação
química que origina no organismo".
A Bioluminescência é encontrada principalmente no
fundo do oceano mas vaga-lumes também possuem esta
habilidade.
Ambos os sexos de vaga-lumes fazem uso de
um padrão de flash específico que pode variar de um
estouro curto a uma sucessão flamejante, contínua e
longa. Em suma, a lanterna do vaga-lume é
essencialmente um dispositivo de namoro; mas como o
vaga-lume gera a luz de fato?
Pesquisadores da Universidade de Tufts,
nos Estados Unidos, descobriram que a mesma
substância responsável pelo controle da pressão
sanguínea que leva à ereção do pênis, o
óxido nítrico,
(NO) serve de mensageira entre o impulso elétrico
emitido pelos neurônios do vaga-lume e o disparo do
flash luminoso. Durante os dois anos de pesquisa, os
cientistas americanos demonstraram que a lanterna
dos vaga-lumes se acende sempre que se estimula a
produção do óxido nítrico. |
A
família dos vaga-lumes
Quando
um vaga-lume, de costas, volta à posição normal de
um salto só, ao mesmo tempo em que produz um estalo,
um clique, você pode ter a certeza de que ele é um
elaterídeo. Sua cor varia do castanho escuro ao
marrom avermelhado. Na parte anterior do tórax, os
elaterídeos
têm
duas manchas que, quando apagadas, têm coloração
alaranjada. Muita gente acha que essas manchas são
os olhos do pirilampo. Mas são suas 'lanternas'. Uma
terceira lanterna fica no abdome e só entra em
atividade quando o inseto está voando. É tão
desenvolvida que chega a emitir um facho de luz de
quase um metro de diâmetro. Esses vaga-lumes
costumam voar muito alto, acima da copa das árvores.
A luz que emitem é contínua. Na lanterna torácica, a
luz tem uma tonalidade esverdeada. Na lanterna
abdominal, é amarelo-alaranjada. O ciclo de vida dos
elaterídeos é longo: dois ou mais anos. Os adultos
vivem somente no verão, períodos em que se acasalam.
Os ovos são postos em madeiras semi-apodrecidas no
interior das matas. Depois de cerca de 15 dias
surgem as primeiras larvas, que passarão quase dois
anos comendo outros insetos e crescendo, até se
transformarem nas pupas, que irão depois virar os
insetos adultos.
As
fêmeas dos
fengodídeos
sempre
têm aspecto larvar. São comumente conhecidas como
bondinho elétrico ou trem de ferro. Algumas espécies
de fengodídeos emitem luz vermelha, na região da
cabeça, e esverdeada no corpo. Outras emitem luz
esverdeada em todo corpo. Os machos, alados, têm
pontinhos luminosos em posição e número variáveis,
todos no abdome. O ciclo biológico dos fengodídeos é
pouco conhecido. Sabe-se que as larvas gostam de
comer gongolos, o popular piolho-de-cobra. E são
muito vorazes; sugam toda a parte mole do corpo do
bicho, dispensando as partes duras. Emitem luz
contínua e vivem no chão, à procura de suas presas.
A cor
dos
lampirídeos
varia
muito: do castanho-claro ou escuro ao
castanho-amarelado ou avermelhado. As lanternas
ficam no ventre e variam de tamanho e disposição.
Emitem luz esverdeada intermitente durante as poucas
horas do entardecer. Habitam matas, campos e
cerrados, preferindo os lugares úmidos e alagadiços
como os brejos. O ciclo biológico dos lampirídeos é
longo. Adultos e larvas alimentam-se com freqüência
de caramujos. Em algumas espécies as fêmeas também
têm aspecto de larvas, que emitem sua luz por órgãos
luminescentes situados no abdome.
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Vaga-lumes das famílias dos elaterídeos (A),
fengodídeos (B) e lampirídeos (C)
fonte:
Revista Ciência Hoje On-line: http://www.ciencia.org.br |
Como os organismos
Bioluminescentes trabalham?
A reação química que faz o
emissão de luz é interessantíssima. Além do fato de ser algo que
chame nossa atenção, é também interessante que
90 a 96% da energia
produzida é convertida em luz,
e somente de 4 a 10% é convertida em calor, o
inverso de uma
lâmpada comum!
Abaixo, as reações esquemáticas representando o que
acontece nos fotócitos,
células especializadas em reações de emissão de luz como
produto. Essas células formam um tecido denominado "lanterna",
que está conectado à traquéia e ao cérebro, de modo que o inseto
pode controlar, ao seu gosto, quando irá desencadear a reação
química.

Neste mecanismo, ocorre a
oxidação da
luciferina (A) pelo
oxigênio molecular, reação esta
catalizada pela
enzima luciferase,
gerando a
oxiluciferina (E) mais a
luz que é observada por nós. (D) A dioxetanona está como uma
etapa intermediária (B e C). Este mecanismo apresenta um alto
rendimento quântico de bioluminescência (em torno de 0,90 E mol-1),
sendo que essa energia produzida pelo inseto é comumente chamada
de
"luz fria" devido ao
seu alto rendimento.
Analisando a molécula (C),
podemos perceber que ela possui os
componentes fundamentais
para que ocorra uma reação quimioluminescente. Na literatura, a
sua presença no processo de bioluminescência é inferida, ou
seja, não foi comprovada sua existência experimentalmente, porém
ela é necessária par manter a lógica bioquímica do processo.

Em síntese, a reação pode
ser esquematizada da seguinte maneira:

Aplicações da
bioluminescência
Além da beleza inegável do
fenômeno, a molécula luciferina e a enzima luciferase tem
aplicação em setores como
farmacologia,
biologia
molecular e alimentação.
Abaixo, um quadro mostrando as aplicações.
Ficou escuro? O
remédio é bom! |
Implanta-se na bactéria responsável por uma doença o
gene que comanda a produção de substância
luminescente. Depois, aplica-se o antibiótico. Se
continuar brilhando, é porque a bactéria está viva e
o remédio não funcionou. |
Espermatozóide
é para bilhar! |
Quanto
mais ATP (adenosina tri-fosfato) houver no
espermatozóide, mais ele brilha ao receber a mistura
de luciferina e luciferase. Se cintilar pouco, é
sinal que a célula tem pouco ATP; fora de forma e,
portanto, pouco fértil |
Comida não pode
reluzir... |
Se
ascender, o alimento está estragado. A luminescência
indica que há bactérias ativas na comida. É que todo
o organismo em atividade tem ATP, que desprende luz
quando combinado com a luciferina e a luciferase. |
Fonte: Revista
Superinteressante
Veja on-line: "Brilho do
vaga-lume é usado na luta contra o câncer"
http://www.bbc.co.uk/portuguese/ciencia/020723_vagalumecb.shtml
Mito: Bioluminescência é igual a
"Fluorescência", (ou "fosforescência" ou "quimioluminescência")
Fato: Todos os termos estão relacionados com a
produção de luz por substâncias químicas, mas só
bioluminescência é semelhante a quimioluminescência,
mesmo assim são termos que devem ser usados em
situações diferentes.
A
fluorescência
é uma forma de fotoluminescência em que a emissão de
luz desaparece tão logo cessa a absorção da radiação
excitadora. (O tempo de vida de uma fluorescência é
da ordem de 10-8 s).
Fosforescência
é semelhante a fluorescência sendo que o produto
excitado é mais estável, de forma a demorar mais
tempo (de um microsegundo até minutos) até que a
energia seja liberada totalmente. Esse fenômeno está
relacionado com o fato dos interruptores de tomada
em sua casa brilharem no escuro. Em seu polímero,
são colocados pigmentos de fósforo, um elemento que
possui propriedades fosforescentes. Não é por nada
que o nome "fósforo",
elemento químico de número atômico 15, vem do grego,
phosphoros, que significa "aquele que
brilha", ou "o que conduz, traz a luz".
Quimioluminescência
é um termo geral para produção de luz quando a
energia de excitação é proveniente de uma reação
química (ao invés da absorção de fótons, em
fluorescência).
Bioluminescência
é a denominação de um fenômeno de
quimioluminescência onde a reação química é
realizada em um organismo, como o vaga-lume por
exemplo.
|
 |
Vamos ao
laboratório? |
É possível observar o fenômeno da
quimioluminescência por meio de uma
experiência
relativamente simples:
ATENÇÃO
Química não é
brincadeira, é coisa séria!
Não cheire nem
experimente o gosto de substâncias desconhecidas
Cuidado com as
substâncias tóxicas e/ou inflamáveis
Cuidado com
respingos na pele e novo olhos
Procedimentos
Vista as luvas
de borracha e comece a preparar as soluções
reagentes.
Coloque 500mL
de soluções aquosa de hidróxido de sódio 0,1mol/L em
um balão de fundo chato. Adicione 0,25g de luminol.
Mexa cuidadosamente. Tape o balão com a rolha, cole
uma etiqueta escrito "solução
de luminol" e reserve. Prepare agora a
solução oxidante de peróxido de hidrogênio.
|
Reagentes e aparelhagem
>
0,25 g de luminol (5-amin-2,3-di-hidro-1,4-ftalazinadiona)
>
500mL de solução aquosa de hidróxido de sódio
0,1mol/L
> 50mL
de peróxido de hidrogênio, H2O2,
10 volumes
> água
destilada
> 2
balões de fundo chato com capacidade para um litro.
>
rolhas para tapar os balões de fundo chato
>
etiquetas autocolantes
> 2
provetas graduadas de 100mL
> 1
erlenmeyer de 500mL
>
luvas de borracha. |
Coloque em outro balão de
fundo chato 50mL de H2O2 10 volumes e
complete com água até a marca de 1 litro. Tape o balão com a
rolha e agite cuidadosamente. Cole uma etiqueta escrito "solução
oxidante" e reserve. Apague a luz do laboratório (não
totalmente, senão só Deus sabe o que poderá acontecer :)
Com a ajuda de uma das provetas graduadas meça 100mL da
solução de luminol e transfira o líquido para o erlenmeyer.
Na outra proveta graduada
meça 100mL de solução oxidante e adicione à solução de luminol
dentro do erlenmeyer.
Na presença do peróxido de
hidrogênio - que nesse caso atua como oxidante - , o luminol
reage formando um complexo ativado que se encontra em um estado
excitado e energético.
A transformação desse
complexo ativado no produto final - o íon 3-aminoftalato -
ocorre com liberação de energia na forma de uma luz azul visível
e brilhante. A reações abaixo esquematizam o que acontece:

Fonte:
Completamente Química - Martha Reis - Química Orgânica - 2001
Entrevista
O
Portal
de Estudos em Química (PEQ)
entrevistou uma das maiores autoridades da área,
pesquisador da USP,
Dr. Etelvino José Henriques
Bechara,
o qual falará para nós um pouco sobre este fenômeno
da luminescência e suas aplicações. Para saber mais
sobre suas pesquisas, acesse o site: Laboratório de
Radicais Livres e Bioluminescência:
http://www.iq.usp.br/wwwdocentes/ebechara/
[ PEQ ] Olá
Professor Etelvino, primeiramente gostaríamos de
agradecer sua ilustre participação neste artigo.
Quando ficamos sabendo do extraordinário rendimento
do processo de emissão, onde cerca de 90% da energia
produzida é convertida em luz, logo associamos a uma
possível fonte de energia. Isso é possível?
[ Dr.
Etelvino ]
Sim. Há, por
exemplo, relatos e gravuras (Rugendas) sobre o uso
da luz emitida por pirilampos para iluminação de
choupanas de nativos na América Central. |
 |
A química da luz dos vaga-lumes inspirou
vários pesquisadores a estudarem e descreverem
várias reações análogas, chamadas
quimioluminescentes, em que a energia química dos
reagentes é convertida em luz com rendimentos muito
altos. É o caso da reação dos oxalatos de 2,4,6-triclorofenila
e de 2,4-dinitrofenila com peróxido de hidrogênio,
em meio básico, na presença de hidrocarbonetos
poliaromáticos (ex., 9,10-difenilantraceno, perileno,
rubreno, etc). Estes compostos atuam simultaneamente
como catalisadores e emissores fluorescentes, cuja
cor da fluorescência pode-se escolher à vontade.
Esta reação foi descrita por Rahut e é a
base de produtos comerciais chamados "light sticks"
(marca registrada Cyalume) ou lanternas químicas,
amplamente usados por mergulhadores, espeleólogos,
pequenas clínicas médicas de locais sem luz
elétrica, kits de emergência da aviação civil, e até
mesmo como enfeite e decoração.
[ PEQ ] Hoje, quais
são as áreas em que o fenômeno da bioluminescência
está sendo usado no Brasil?
[ Dr.
Etelvino ]
O principal uso da
bioluminescência em todo o mundo, inclusive no
Brasil, é na biotecnologia. O gene do vaga-lume
(denominado "luc", de luciferase, a enzima que
catalisa a reação bioluminescente do vaga-lume) foi
clonado e seqüenciado na década dos oitenta pela Dra
Marlene DeLuca e pelo Dr. Keith Wood (ambos da
University of Califórnia, La Jolla) e logo
comercializado como gene repórter da expressão de
proteínas na Biologia Molecular, acadêmica e
aplicada.
Causaram furor as fotos de tabaco e tomate
luminosos, resultado de sua infecção com bactérias
simbiontes transformadas com o gene luc. O
desenvolvimento dos programas sobre o genoma de
vários organismos teve forte contribuição do gene
luc e do gene gfp (de "green fluorescent protein"),
este último obtido de organismos marinhos
bioluminescentes. Além disso, como a reação
bioluminescente do vaga-lume também depende de ATP
(adenosina trifosfato), tem-se utilizado esta reação
para monitoração de vários processos bioquímicos e
celulares dependentes desta coenzima. Vários
laboratórios de análises clínicas, indústrias de
alimentos, hospitais, poluição ambiental, tratamento
de água, utilizam "kits" comerciais baseados no
sistema luciferina/luciferase de vaga-lumes.
[ PEQ ] Fale um pouco mais sobre suas
pesquisas com bioluminescência.
[ Dr.
Etelvino ]
Desde 1978, quando iniciamos a
linha de pesquisa sobre a bioluminescência de
insetos, temos contribuído para elucidar vários
aspectos da química, biologia e ecologia da três
principais famílias de besouros luminosos: os
lampirídeos (vagalumes), os elaterídeos (pirilampos,
tec-tecs, ou salta-martins) e os fengodídeos
(bondinhos ou trenzinhos). Por exemplo,
descobrimos que em todos eles a luciferina
(combustível da bioluminescência) é a mesma, que a
cor da emissão é específica da espécie e depende da
luciferase e do pH do microambiente celular onde a
reação ocorre e que a bioluminescência atua não só
como sinal para atração de presas e corte sexual,
mas também como mecanismo auxiliar de detoxificação
de oxigênio molecular.
Descobrimos três espécies novas de
fengodídeos, descrevemos o sistema de inquilinismo
cupim-vaga-lume no cerrado brasileiro, responsável
pelo fenômeno dos "cupinzeiros luminosos", únicos no
mundo, e explicamos como os elaterídeos inquilinos
dos cupins se defendem da baixa umidade na ocasião
do inverno (seca).
Todo este trabalho foi amplamente
divulgado na imprensa falada, escrita e televisa,
brasileira e internacional, com artigos e imagens
para a Ciência Hoje, Ecologia, Superinteressante,
Galileu, Folha de São Paulo, Estado de São Paulo,
Globo Ciência, Globo Rural, Télé Quebec,
Encyclopedia of Life Sciences, etc. Estas pesquisas
foram realizadas junto com nossos pós-graduandos e
colegas do Instituto de Biociências e do Museu de
Zoologia da USP, além de termos contado com
colaborações de pesquisadores da Universidade da
Florida em Gainesville, Dartmouth Medical School (New
Hampshire, USA) e Museum of Natural History (Basel,
Suiça). |
The Bioluminescence Web Page
http://www.lifesci.ucsb.edu/~biolum/
Sobre o Óxido Nítrico
http://ase.tufts.edu/biology/firefly/

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