O
dia de
São Valentino,
14 de fevereiro, comemorado como dia dos namorados em
diversos países, ensejou a publicação de uma série de
reportagens sobre a química do amor, da atração sexual e do
beijo (c.f. “fontes de informação”).
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Não se sabe como o ato de beijar teve início na
história da humanidade, daí não se saber quem deu o
primeiro beijo. Os primeiros registros históricos
do beijo foram esculpidos por volta de 2.500 a.C.
nas paredes dos templos de Khajuraho, na
Índia. Antropólogos acreditam que o beijo nasceu do
ritual de mastigar os alimentos antes de dá-los aos
filhos, como até hoje o fazem vários animais, como,
por exemplo, os pássaros. |
A química do beijo e da atração sexual vem sendo estudada há
décadas e, em alguns aspectos, ainda é repleta de mistérios.
Beijo de amigo, beijo selinho, beijo comportado, beijo
romântico, beijo sensual, beijo de lado, beijo roda-gigante,
beijo aspirador de pó, beijo roubado, beijo devolvido, beijo
com pressa, beijo sem pressa, beijo tântrico ... Quantos
tipos de beijo você conhece? Provavelmente todos. A
diferente “nomenclatura” depende apenas da sua geração, da
cultura de seu país e de querer, enfim, dar “nome aos bois”.
Por exemplo, os romanos classificavam ou nomeavam os beijos
em apenas três tipos: o basium, trocado entre
conhecidos; o osculum, dado apenas em amigos
íntimos; e o suavium, que era o beijo dos amantes.
No encontro anual da Associação Americana para o Avanço da
Ciência (AAAS),
realizado de 12 a 16 de fevereiro de 2009, um dos simpósios
foi dedicado à “Ciência do Beijo” e, entre outros assuntos,
foram discutidos a química do beijo e de prováveis
feromônios de atração sexual humana.
A antropóloga Helen Fischer da Universidade de Rutgers em
Nova Jérsei (EUA) conta que, assim como os chipanzés, 90 %
das sociedades humanas praticam o beijo e acredita-se que o
ato de beijar oferece uma vantagem evolutiva.
Segundo matéria de Chip Walter para a revista Scientific
American de Janeiro de 2008 (Affairs
of the Lips: Why We Kiss), o beijo desencadeia
uma cascata de eventos químicos que transmitem sensações
táteis, estímulos sexuais, sentimento de proximidade,
motivação e euforia.
Para Fischer, o homem prefere os beijos molhados
e com a língua em ação, permitindo a
transferência de maior quantidade de
testosterona à mulher.
Testosterona,
todos já sabem, aumenta a libido -
consequentemente melhora o humor - feminina. O
“beijo de língua” também permitiria que os
homens percebam, inconscientemente, se a mulher
está em sua fase menstrual.
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Testosterona |
Mas se é no “beijo molhado” que substâncias químicas são
trocadas através da saliva, para os casais essa troca pode
significar o fim do relacionamento ou o início de uma
relação duradoura, até que o último beijo (ou a falta de) os
separe.
Experiências, no mínimo interessantes, vêm sendo conduzidas
por Wendy L. Hill e seus colaboradores no Centro de Saúde do
Estudante do Lafayette College e foram descritas
por Tina H. Saey em sua matéria para a Science News
de 13 de fevereiro de 2009 (“Kissing
Chemistry”).
Segundo a Profa. Hill, ainda não foi comprovado, ao menos
cientificamente, que passar no teste do primeiro beijo
significa passar no teste químico. Seu grupo fez uma
experiência com 15 casais heterossexuais (com diferentes
tempos de relacionamento) em que a saliva e o sangue de cada
voluntário foram analisados antes e depois do “experimento”.
Nas amostras de saliva mediu-se o cortisol (hormônio do
estresse) e no sangue os níveis de
oxitocina,
peptídeo neurotransmissor, também conhecido pela internet
como o hormônio do amor.
A despeito do número reduzido de casais voluntários e do
“estranho” experimento, alguns resultados interessantes
foram obtidos e se tornaram “notícia” em diversos jornais.
Oxitocina |
A oxitocina possui um papel importante nas
relações humanas, tais como: confiança e
percepção emocional. Como a confiança é
indispensável nas relações de amizade, relações
familiares e quaisquer tipos de interações
humanas, há diversos estudos relacionando-a não
só com o “amor”, mas também com mudanças
econômicas e políticas na sociedade (Kosfeld
et al., 2005; Unkelbach &
Guastella, 2008).
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Pediu-se que, durante 15 minutos, os casais: grupo a) se
beijassem; ou grupo b) dessem as mãos e conversassem. Após
esse tempo recolheu-se novamente a saliva e o sangue dos
voluntários.
No início da experiência as mulheres apresentaram níveis
maiores de oxitocina do que os homens, sendo que os níveis
foram ainda maiores para aquelas que usavam pílulas
anticoncepcionais. Após o beijo o nível de oxitocina nos
homens aumentou, mas nas mulheres diminuiu. Esse resultado
foi, para Hill, inesperado e inexplicável. Aqueles que se
deram as mãos mostraram resultados similares apesar da
diferença de níveis de oxitoxicina ser menor.
O nível do hormônio do estresse diminuiu nos dois grupos e
em ambos os sexos, com queda mais acentuada naqueles que se
beijaram.
Hill e seus colaboradores especulam que o “inesperado”
nível de oxitocina nas mulheres pode ter sido afetado
pelo ambiente em que a experiência foi realizada. Os
próximos experimentos serão realizados à luz de velas,
ao som de jazz e outros cenários mais românticos na
tentativa de descobrir qual seria a influência do
ambiente nas mulheres.
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Beijar é bom, mas várias
doenças podem ser
transmitidas pela saliva:
mononucleose infecciosa (febre do beijo), cáries
dentárias, candidíase bucal (sapinho), herpes e
tuberculose. Outras doenças, como hepatite e
doenças sexualmente transmissíveis (e.g. HPV,
gonorréina, sífilis), causam contaminação pela
via bucal com pouca frequência e devem ser
levadas em consideração, principalmente, quando
existem lesões ou sangramentos gengivais.
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Na entrevista para a matéria de Julie Steenhuysen da agência
Reuters (“Kissing:
It really is all about chemistry”) de 14 de
fevereiro, fica claro que
Fisher possui uma abordagem diferente em seus
experimentos, visto que utiliza imagens do cérebro (Imagem
Funcional por Ressonância Magnética).
O beijo pode acessar três dos principais sistemas cerebrais
usados no acasalamento e reprodução: a atração sexual,
principalmente relacionada à testosterona; o amor romântico
ou apaixonado, que motiva as pessoas a manterem a atenção em
seu parceiro; e, por último, aquele que mantém a união
durante o tempo suficiente para criarem seus filhos.
“Que é quando eu te vejo
Desperta o desejo
Eu lembro do seu beijo
E não paro de sonhar...
Ela só pensa em beijar
Beijar! Beijar! Beijar!
E vem comigo dançar
Dançar! Dançar! Dançar” |
Ela só pensa em beijar (Se ela dança eu
danço)
Mc Leozinho
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Ao fazer sexo, os níveis de dopamina no cérebro aumentam
levando os casais até a fronteira da paixão. Com o orgasmo,
os casais são surpreendidos com uma avalanche de oxitocina e
vasopressina - dando-lhes sentimentos de apego.
A serotonina é outro neurotransmissor envolvido no amor e no
desejo sexual. O consumo de antidepressivos inibidores da
sua recaptação (ISRS) reduz os sentimentos do amor romântico
e o desejo sexual.
O beijo, diz Fisher, é apenas a ponta do iceberg do ritual
químico da “corte” humana e o mesmo ativaria a produção de
diferentes substâncias responsáveis pelos estímulos nas três
regiões do cérebro.
Independente de comprovações científicas, beijar faz bem ao
corpo e ao espírito. Beijo no rosto, beijo de selinho,
primeiro beijo, beijo apaixonado. Beijar é muito bom, e
apesar de todos os benefícios e mecanismos químicos do
“beijo” ainda não terem sido comprovados cientificamente,
alguns cuidados devem ser tomados já que, comprovadamente,
certas doenças são transmitidas pela saliva (ver quadro).
Talvez aquele “alerta” inexplicável que nos diz para não
“beijar de língua” ou não beijar novamente também seja um
“alerta químico” passado ao nosso cérebro e que ainda é
desconhecido pela ciência.
Referências
Bibliográficas
Saey, T. H. Kissing Chemistry.
Science News,
13 de fevereiro de 2009. Disponível em: <
http://www.sciencenews.org/view/generic/id/40884/title/Kissing_chemistry>.
Acesso em: 18 fevereiro 2009.
Steenhuysen, J. Kissing: It really is all about chemistry.
Reuters, 14 de fevereiro de 2009. Disponível em: <http://www.reuters.com/article/scienceNews/idUSTRE51D1MM20090215>.
Acesso em: 18 fevereiro 2009.
Walter C. Affairs of the Lips: Why We Kiss. Scientific
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em:
http://www.sciam.com/article.cfm?id=affairs-of-the-lips-why-we-kiss.
Acesso em: 18 fevereiro 2009.
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As fotos dos filmes estão disponíveis em:<http://www.filmsite.org/filmkisses.html>.
Acesso em 18 fevereiro 2009.
Aprofundando o Assunto
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Debiec, J. FEBS Letters 2008,
581(14), 2580. [CrossRef]
Para citar esta matéria:
Rosângela de A. Epifanio, A química do beijo: Ela só pensa
em beijar, beijar, beijar ..., Novidades na Ciência –
SBQ Rio, 20 fevereiro 2009. Disponível em: <http://www.uff.br/sbqrio/>
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