
A aplicação da pesquisa química para o
desenvolvimento de fármacos.
O Portal de Estudos em Química
apresenta a Química Medicinal, uma das áreas da
química que vêm sendo usadas para salvar vidas.
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Glossário
IUPAC
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>Agonista:
substância endógena ou uma droga que podem
interagir com um receptor e iniciar uma
resposta fisiológica ou farmacológica
característica daquele receptor.
>Análogo:
droga cuja estrutura é relacionada a
de uma outra droga, mas com propriedades
químicas e biológicas diferentes.
>Antagonista:
droga que inibe o efeito de outra.
>Droga:
qualquer substância utilizada para
tratamento, cura ou prevenção de doenças em
seres humanos ou animais. Uma droga também
pode ser usada para fins recreacionais, para
diagnóstico clínico, ou para modificar
funções biológicas (e.g., pílula
anticoncepcional).
>Farmacocinética:
é o estudo da absorção, distribuição,
metabolismo e excreção de comportos
bioativos.
>Metabolismo: é o conjunto dos
processos físico-químicos envolvidos na
manutenção e reprodução da vida, nos quais
os nutrientes são quebrados para moléculas
menores para gerar energia (catabolismo) e,
então, são utilizados para formar moléculas
mais complexas (anabolismo)
>Química Medicinal: uma área
da química, que também envolve aspectos e
conceitos da biologia, medicina e farmácia.
Está relacionada com a invenção, descoberta,
design, identificação e preparação de
substâncias com atividade biológica, além do
estudo de seu metabolismo, interpretação de
seu mecanismo de ação biológica a nível
molecular, e construção de relações entre
estrutura e atividade.
>QSAR: "Quantitative
structure-activity relationships" - relações
matemáticas entre estruturas químicas de
substância e suas bioatividades, de uma
maneira quantitativa.
>Receptor:
molécula ou estrutura polimérica em
uma célula (ou no citoplasma) que
especificamente reconhece e liga-se a
determinados compostos (neurotransmissores,
hormônios, lectina, droga, etc.), alterando
a sua conformação espacial. |
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Em diversos laboratórios de química (incluindo vários aqui
mesmo no departamento de química da UFSC), muitos
pesquisadores sintetizam substâncias com provável atividade
biológica. As vezes, partem de uma substância de atividade
conhecida, e preparam derivados sintéticos para testar suas
atividades. Mesmo alunos de iniciação científica participam
destas pesquisas. O conhecimento da relação entre estrutura
química e atividade biológica é um dos objetos de estudo da
área de química medicinal. Muitos dos fármacos hoje
disponíveis nas farmácias foram frutos de pesquisas
similares as que ocorrem aqui na UFSC.
Inicialmente, os químicos limitavam-se a isolar determinadas
substâncias naturais, a partir do extrato bruto de plantas
com eficácia já conhecida. Mais recentemente, a química de
síntese orgânica
foi introduzida nesta área e os químicos passaram a não
somente criar análogos sintéticos e derivados, mas também a
"criar" substâncias totalmente inéditas, que vieram a se
tornar fármacos. Hoje, a preparação de um fármaco leva anos
de pesquisa; diversos conceitos vistos em sala de aula
passam a ter importância fundamental, tais como
estereoquímica, síntese orgânica, polaridade de moléculas,
forças intermoleculares, entre outros. Neste artigo, o
QMCWEB apresenta algumas classes de fármacos e suas
respectivas estruturas químicas.
A estrutura química de uma substância é fator
determinante na sua atividade no organismo.
E, em geral, substâncias diferentes com estruturas químicas
semelhantes possuem atividade biológica também similar. Um
exemplo é o caso da cocaína. Esta substância é um alcalóide
extraído de uma planta nativa daqui da américa do sul. Na
medicina, foi um dos primeiros anestésicos locais, isto é,
uma substância capaz de produzir analgesia no local onde é
aplicada. Embora fosse muito eficaz, existiam sérios
problemas: a cocaína produz euforia, bem-estar excessivo,
sensações de poder, dependência física e psicológica.
Químicos sintéticos partiram, então, para a busca de
substâncias que tivessem o mesmo poder anestésico da
cocaína, mas que não surtissem os efeitos colaterais
indesejados. Em 1905, foi preparada o procaína. Esta
substância é utilizada até hoje: como é rapidamente
absorvida pelo corpo, é, em geral, aplicada juntamente com
um vaso constrictor, para manter o anestésico no local da
aplicação o maior tempo possível. Em 1948, outro anestésico
foi patenteado nos EUA: a lidocaína, vendida como xilocaína.
Além de ser muito mais forte do que a procaína, não
necessita de vasoconstrictor. Tanto a lidocaína, procaína e
a cocaína possuem efeitos anestésicos semelhantes.
Mas o que há, entretanto, de
comum com a estrutura química destas substâncias?
Uma olhada com maior atenção revela que, em todas as
estruturas, observa-se o seguinte:
(a) um anel aromático em uma das
extremidades da molécula; (b)
uma amina completamente substituída na outra
extremidade; (c) um
éster ou uma amida conectando os dois extremos.
Não somente nós achamos as estruturas semelhantes: alguns
dos receptores onde estas moléculas se ligam, nas células,
são os mesmos.
A
grande parte das substâncias conhecidas como
feniletilaminas
possuem intensa atividade biológica e são capazes de
alterar a nossa percepção da realidade. Entre estes, estão
substâncias como morfina, LSD, mescalina, heroína e outros.
Todas estas substâncias tem uma estrutura derviada da
2-fenil-etanoamina.
No caso da morfina e do LSD, o segmento alquílico que liga o
anel ao N é cíclico. A
morfina deve seu nome ao deus romano dos sonhos.
Um farmacêutico alemão (Friedreich Sertuner, 1803) escolheu
este nome por causa do forte poder narcótico desta
substância (uma substância narcótica provoca distúrbios na
consciência, causa entorpecimento, sono, e perda dos
sentidos).
Os
sumerianos, uma das civilizações mais antigas, já utilizavam
a base da flor da papoula
para preparar o ópio, há cerca de 6.000
anos. A morfina corresponde a cerca de 10% do peso do ópio
seco. Foi o primeiro alcalóide a ser isolado e identificado
(Sertuner, F., 1803). A morfina foi logo adotada na
medicina, devido ao seu forte efeito analgésico e supressor
de tosse. Além disso, produz outras respostas fisiológicas,
como apatia e euforia. E, também, provoca dependência física
e psíquica. O ópio contém outros alcalóides, tais como a
codeína. Embora seja uma analgésico menos potente, a
codeína é um dos
mais fortes supressores de tosse conhecidos.

Devido à dependência e aos efeitos tóxicos
da morfina, logo procurou-se por um derivado
sintético. Uma das idéias fo o produto obtido a partir
da acetilação dos grupos fenólicos da morfina, levando ao
diacetilmorfina. Esta droga era tão poderosa que as doses a
serem utilizadas seriam tão pequenas, a ponto de não serem
tóxicas. Mas, infelizmente, a
diacetilmorfina
mostrou uma capacidade de provocar dependência como antes
nunca vista. Recebeu o nome comercial de
heroína e foi
vendida em vários fármacos, principalmente em xaropes para
tosse; hoje, tem a venda proibida e é ilícita na maioria dos
países. Um fato curioso sobre a heroína: um dos produtos da
acetilação com o anidrido acético é o ácido acético. Este
ácido é o que está presente no vinagre, e lhe dá o cheiro
característico. A polícia francesa treinou cães para
fareijar este odor e, então, auxiliar na descoberta de
fábricas clandestinas de heroína!
Tanto o LSD como a mescalina são extremamente alucinógenos.
A mescalina é
uma alcalóide natural e extraído do cactus peyote, comum na
américa central. É a droga que, por vários séculos, foi
utilizada nos rituais das civilizações americanas
pré-colombianas. O LSD,
entretanto, foi primeiramente preparado em laboratório; mais
tarde descobriu-se que certos microorganismos eram capazes
de, também, produzí-los. A substância foi preparada por
Albert Hoffmann, em 1943, no Sandoz Laboratory. Por cinco
anos, Hoffmann e colegas estudavam a química do ácido
lisérgico, um dos alcalóides encontrados no fungo ergot, que
cresce em cereais. Hoffmann preparou a amida deste ácido (a
N,N-dietilamida). Acidentalmente, ele ingeriu uma pequena
quantidade do produto. Ele experimentou estados de delírio e
alucinações, e o que ele chamou de "caleidoscópio de cores".
O LSD, de fato, provoca fortes alterações sensoriais e
perceptivas, despersonalização, sinestesia e outros. Esta
foi a droga eleita pelos jovens das décadas de 60 e 70. Os
Beattles gravaram um album inteiro em homenagem a esta
droga; uma das faixas chama-se Lucy in the Sky
with Diamonds. Embora esta droga não produza
dependência, ela é considerada ilícita na maioria dos
países.
Desafio
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naloxone
Algumas substâncias, tais como o
naloxone, são capazes de anular
os efeitos dos mais poderosos
narcóticos, incluindo a heroína.
Estes compostos são chamados de
antagonistas opióides:
eles antagonizam o efeito de
produzido pelas substâncias que se
ligam aos receptores opióides, como
a morfina e a heroína.
Um desafio
para você: é o
naloxone outro exemplo de 2-feniletilamina?
Se sim, encontre na estrutura esta
porção; se não, justifique.
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Muitos fármacos livremente vendidos em
farmácias são também derivados da
feniletilaminas. O maior grupo é o das
anfetaminas,
substâncias estimulantes, capazes de
aumentar a pressão sanguínea, reduzir a
fadiga e inibir o sono. São utilizadas em
descongestionantes nasais,
anti-hemorrágicos, inibidores de apetite,
estimulantes. Também causam dependência e
danos físicos e mentais a longo prazo. A
maioria destas drogas, entretanto, pode ser
adquirida sem nenhum problema em farmácias
brasileiras. Estas drogas são todas
sintéticas, e foram frutos de anos de
pesquisa em laboratório. Uma das mais
antigas é a própria anfetamina (benzidrina),
que é o 2-fenil-1-metil-etanoamina. Outros
derivados surgiram, numa tentativa de
diminuir a dependência e toxidade, tais como
a
metanfetamina (metedrina) e a
fenilpropanolamina, uma das
preferidas em descongestionantes nasais.
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Além de diminuir a dor física, as drogas também têm
sido usadas para tratar outros tipos de males, tais
como os distúrbios psíquicos. Muitas pessoas são
acometidas de neuropatologias, tais como
esquizofrenia, depressão, ansiedade, entre outros.
Os antigos hindus já utilizavam o extrato de uma
planta, a rauwolfia, para combater desde insônias a
distúrbios mentais. Esta planta produz o alcalóide
reserpina, que passou a ser vendido na forma pura em
1954. Em 1981, entretanto, o EPA dos EUA classificou
a droga como carcinogênica. Desde a segunda metade
deste século, novas tipos de drogas foram produzidas
para combater estas psicoses. Os tipos são
classificados de acordo com a sua finalidade. As
mais comuns são as dos grupos dos tranquilizantes
e dos antidepressivos. Os tranquilizantes estão
entre os remédios mais receitados por médicos. O
meprobamato
(Equanil e Miltown) é a droga mais popular. Este
tranquilizante pertence à classe dos carbamatos, que
são ésteres do ácido carbâmico (ácido
aminofórmico). O
carisoprodol (Soma) é outro carbamato
popular, e é um forte relaxante muscular.
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O diazepam
(Valium), o
flurazepam e o
oxazepam
são tranquilizantes de uma classe diferente: os
benzodiazepínicos.Todos possuem 2 anéis aromáticos e
um heterocíclico. O diazepam foi primeiramente
preparado em 1933.
Todos são fortes tranquilizantes e relaxantes
muscular. Estas drogas induzem ao sono e a perda de
consciência. São utilizados para combater a insônia,
nervosismo, stress, entre outros. |

diazepam |

fluorazepam |

oxazepam |
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Grupo da UFSC
faz Química Medicinal!
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A
doença de
Chagas é causada pelo protozoário
Trypanosoma cruzi e representa um grave
problema de saúde pública, pois não existe
nenhuma quimioterapia que seja efetiva no
combate à este mal, levando à morte centenas
de milhares de pessoas por ano.
Utilizando-se da técnica de Planejamento
Racional de Inibidores Baseado em Estruturas
Tridimensionais de Proteínas, um grupo da
UFSC tem estudado a enzima gliceraldeído-3-fosfato
desidrogenase glicossomal (gGAPDH) de T.
cruzi, responsável pela via glicolítica do
parasita e essencial para sua obtenção de
energia. A estrutura de gGAPDH foi
totalmente elucidada por difração de
raios-X, encontrando-se diferenças na região
de ligação da porção adenosina do cofator
NAD+ com relação à enzima homóloga humana.
Baseado nestas diferenças estruturais
utilizaram-se técnicas de busca
computacionais que forneceram um conjunto de
moléculas que representam candidatos a
inibidores de gGAPDH. Este projeto é feito
em conjunto com pesquisadores do IFSC/USP,
e, aqui na UFSC, é coordenado pelo
professor Dr. Marcus Sá.
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Marcus já publicou um artigo aqui no QMCWEB,
sobre Química Combinatório. Clique aqui e
saiba mais! |
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Os primeiros antidepressivos eram os antidepressivos
tricíclicos (TCAs) e os inibidores da enzima
monoaminaoxidase (IMAOs); foram descobertos através de
observações e experimentações clínicas. Esta geração de
drogas era eficiente em potencializar os mecanismos
serotonérgicos e noradrenérgicos. Infelizmente, entretanto,
estas drogas também bloqueavam os receptores histamínicos,
colinérgicos e adrenérgicos, provocando efeitos colaterais
como ganho de peso, boca seca, constipação, fadiga e
tontura. Os IMAOs interagem com a tiramina e podem causar
hipertensão, além de interagirem fortemente com outros
medicamentos.

fluoxetina (Prozac) |
Entre os antidepressivos mais recentes, destaca-se a
fluoxetina.
Lançada em 1988, é uma das drogas mais vendidas no mundo. É
o princício ativo do Prozac, fármaco apelidado de "a droga
da felicidade". Desde seu surgimento, são escritas cerca de
1.000.000 de receitas médicas por mês para este fármaco; já
foi usado por mais de 35 milhões de pessoas no mundo! Com
toxidade relativamente pequena e efeitos colaterais
minimizados, a fluoxetina tem sido escolhida por milhões de
pessoas que querem melhorar seu humor e combater a
depressão. Como é uma droga recente, ainda não se sabe sobre
os efeitos de longo prazo. De qualquer forma, muitas pessoas
estão consumindo esta droga diariamente.
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