Química COMBINATÓRIA:
GERAÇÃO DE DIVERSIDADE ESTRUTURAL
O desenvolvimento de novos fármacos tem sido uma das áreas
de pesquisa mais concorridas nas últimas décadas, não
somente por ampliar o combate a várias doenças que afligem o
ser humano, mas também por envolver transações financeiras
gigantescas.
Uma nova droga demora mais de 10 anos para ser desenvolvida
e custa em média US$ 500 milhões, porém após chegar às
prateleiras das farmácias ela pode render de US$ 4 a 5
bilhões aos seus fabricantes. Tradicionalmente, o processo
de descobrimento de novos fármacos vem da utilização de
produtos naturais como fonte de substâncias ativas e da
síntese em laboratório de diversas classes de compostos.
Entretanto, os avanços crescentes da Biologia Molecular na
identificação de novos alvos farmacológicos (receptores,
enzimas) e o grande desenvolvimento alcançado nos testes
biológicos (high-throughput screening) diminuiu muito o
tempo e as quantidades necessárias para uma análise. Isto
gerou um aumento da demanda por compostos orgânicos para
serem submetidos aos testes, ou seja, a Química Orgânica
tornou-se o "gargalo" do processo. Neste contexto a técnica
da Química Combinatória se desenvolve, aparecendo como uma
metodologia capaz de suprir esta demanda através da síntese
de um grande número de compostos orgânicos.
TÉCNICAS DE GERAÇÃO DE BIBLIOTECAS COMBINATÓRIAS
QUÍMICA COMBINATÓRIA:
o que é? |
Diferente da Síntese Orgânica tradicional que
objetiva a preparação e isolamento de cada composto
individualmente, a Química Combinatória sintetiza um
conjunto grande de compostos análogos ao mesmo
tempo, na forma de misturas conhecidas como
bibliotecas combinatórias (libraries).
Basicamente, a Química Combinatória pode ser
realizada em solução ou através do uso de reações
em fase sólida (solid phase synthesis, SPS). As
reações em solução possuem a vantagem de serem
realizadas em condições mais familiares ao químico
orgânico (reações ocorrem em meio homogêneo), mas
são restritas apenas aquelas onde a formação de
sub-produtos é mínima e os rendimentos são elevados.
Por outro lado, a utilização de reações em fase
sólida facilitou o crescimento da Química
Combinatória, pois os produtos ficam covalentemente
ligados ao suporte, podendo ser facilmente separados
de excessos de reagentes e sub-produtos por simples
filtração e lavagem. Isto simplifica muito os
procedimentos reacionais, eliminado as fases de
purificação e isolamento dos produtos e
possibilitando também a utilização de grandes
excessos de reagentes, a fim de se obter maiores
rendimentos e garantir que as etapas reacionais
sejam mais efetivas. Entretanto, a dificuldade de
caracterização e acompanhamento das reações e,
principalmente, o fato da maioria das condições
reacionais utilizadas em Síntese Orgânica não terem
sido aplicadas ainda em fase sólida (e sim em
soluções), são algumas das restrições que este
método apresenta. As metodologias sintéticas
clássicas da química em solução (reações de
condensação, Diels-Alder, Grignard, Wittig, etc.)
estão sendo neste momento desenvolvidas para a
química em fase sólida, devido à importância que
esta técnica representa para a Química Combinatória.
Apesar do descobrimento de fármacos ter sido
o primeiro objetivo da maioria dos pesquisadores em
química combinatória, outras aplicações podem ser
encontradas, principalmente no desenvolvimento de
novos materiais e catalisadores. |
COMPARAÇÃO DE CUSTOS |
QUÍMICA:
|
Tradicional |
Combinatória |
Compostos
Químicos
por
/DIA |
4 |
3.300 |
Custo
Total
(US$) |
30.000 |
40.000 |
Custo por Composto
(US$) |
7.500 |
12 |
O sucesso da Química Combinatória é ainda incerto,
pois nenhum fármaco foi descoberto ainda por métodos
combinatórios, apesar de vários estarem em
desenvolvimento e já apresentarem redução
considerável de custos e de tempo. Nessa direção,
vale lembrar alguns indicadores que apontam para a
Química Combinatória como uma das áreas mais
importantes na Química do próximo milênio. Ou, pelo
menos, como umas das áreas da Ciência que receberão
os maiores financiamentos. As ações de empresas
voltadas para a preparação de bibliotecas
combinatórias vêm batendo recordes seguidos de
valorização nas Bolsas de Valores internacionais. Há
quem diga que vários PhD's e Pós-Doutorandos que
começaram a trabalhar há menos de 10 anos com "CombChem",
hoje se tornaram mega-produtores de bibliotecas
combinatórias e passeiam dirigindo Ferraris e BMW's...
|
PERSPECTIVAS |
Pesquisas acadêmicas e industriais na área de
Química Combinatória vêm se proliferando
espantosamente pelo mundo nos últimos anos. A
Química Combinatória tem se utilizado das mais
modernas técnicas disponíveis na procura por
resultados biológicos de interesse para a indústria
de fármacos. Dessa forma, qualquer desenvolvimento
de novas tecnologias nas áreas de automação,
análises espectroscópicas e testes biológicos leva à
aplicação imediata na Síntese Combinatória, gerando
processos cada vez mais eficientes, rápidos e
baratos. É importante também ressaltar que a Síntese
Orgânica tradicional ainda é fundamental para o
desenvolvimento da Química Combinatória, uma vez que
o surgimento de novas metodologias de síntese (além
da adequação das já existentes para a fase sólida),
são fatores imprescindíveis ao sucesso deste novo
processo de geração de diversidade estrutural.
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Síntese em Solução (Método Matricial)
FIG.1
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A técnica de Síntese Combinatória em solução pode ser
exemplificada através da reação entre cloretos de ácido e
compostos hidroxílicos (álcoois, fenóis, etc.), gerando
bibliotecas de ésteres (FIGURA 1).
A estratégia consiste em se reagir um pequeno excesso de
cada cloreto de ácido com a mistura de todos os compostos
hidroxílicos em quantidades equimolares, resultando então na
preparação de um conjunto de ésteres (GRUPO 1). Procedimento
análogo é realizado com os compostos hidroxílicos,
reagindo-se um pequeno excesso de cada um destes com a
mistura equimolar dos cloretos de ácido (GRUPO 2). Após
realizar os testes biológicos com cada uma das misturas, as
informações obtidos nos GRUPOS 1 e 2 são cruzadas, e os
compostos mais ativos são identificados.
Síntese Através da Metodologia Misturar e Dividir (Mix
and Split): Uma amostra da resina (fase sólida) é
dividida em porções x iguais e cada parte é colocada com um
único reagente diferente (A, B e C). Depois de completada a
reação e lavada a fase sólida para tirar excessos, as partes
são combinadas, misturadas e novamente divididas em partes
iguais (misturar e dividir). A reação de cada uma destas com
uma nova série de reagentes (D1, D2 e D3) leva à síntese de
todos os compostos diméricos possíveis (como misturas) e o
processo pode ser repetido o número de vezes que se
achar necessário.

|
A
FIGURA 2 mostra um processo 3x3x3, que leva à
síntese de 27 compostos diferentes. Cada uma das 3 misturas
formadas, contendo 9 compostos cada, é testada quanto à sua
atividade biológica. A atividade em qualquer uma das
misturas irá revelar uma parte do composto ativo, já que o
último fragmento acoplado é comum a toda a mistura. A partir
da mistura mais ativa promove-se a síntese dos componentes
desta mistura, já descartando todos os 18 componentes dos
potes onde a atividade não foi detectada. Para isto
realiza-se o acoplamento individual das três misturas de
compostos diméricos com o último fragmento que apresentou
atividade (deconvolution). A mistura mais ativa obtida
revelará qual é o segundo fragmento importante. Por fim, a
síntese individual dos três compostos variando-se o primeiro
fragmento revelará qual é o composto mais ativo.
Síntese de Bibliotecas de Benzodiazepinas
A química combinatória foi utilizada inicialmente na
síntese de bibliotecas muito grandes de oligômeros
biológicos, como peptídeos e oligonucleotídeos. Entretanto,
devido à baixa potencialidade de peptídeos e outros
polímeros naturais de agirem como fármacos (rápida
degradação por enzimas, impossibilidade de administração via
oral), a Química Combinatória voltou-se para a
síntese de moléculas orgânicas pequenas (peso molecular
menor que 500 g/mol), já que esta é a classe de compostos de
onde a maioria das drogas de sucesso tradicionalmente
aparecem. Em um estudo pioneiro, Ellman (então com pouco
mais de trinta anos) criou em 1991 a primeira biblioteca
combinatória de 1,4-benzodiazepinas, uma das classes
mais importantes de agentes terapêuticos (p. ex., VALIUM,
DIAZEPAN).
A construção da biblioteca está baseada em três componentes:
2-amino-benzofenonas, aminoácidos e agentes alquilantes (FIGURA
3).

Inicialmente a benzofenona 1 se liga
ao suporte sólido por meio do seu fragmento fenólico,
seguindo-se a desproteção do grupo amino em 2 e N-acilação
gerando a aminocetona 3. Subsequente N-desproteção e
tratamento ácido fornece a diazepinona 4, que é então
alquilada para 5 e finalmente clivada do suporte, produzindo
derivados de diazepinas contendo diferentes substituintes.
Através desta metodologia, bibliotecas combinatórias de 192,
1.680 e 11.200 benzodiazepinas foram preparadas. Várias
outras bibliotecas de moléculas pequenas de interesse
farmacológico têm sido preparadas através da Síntese
Combinatória, como 1,4-benzodiazepin-2,5-dionas, compostos "b-turn"
miméticos, ácidos arilacéticos, inibidores de protease e
b-lactamas.
Colaborou:
Prof. Marcus Sá - Departamento
de Química/UFSC |
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