Moléculas
Quirais:
as novidades da indústria farmacêutica
que estão deixando os genéricos obsoletos!
Um mercado que, em 2000, irá ultrapassar a barreira dos $100
bilhões. As drogas quirais já são uma realidade na indústria
farmacêutica. Algumas delas são novidades completas, mas
muitas são apenas enantiômeros puros obtidos de racematos
que, hoje, são vendidas como genéricos.
A indústria farmacêutica já está liberando no mercado
produtos resultantes dos mais avançados centros de
O que é uma molécula quiral?
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A palavra "quiral" se refere à alusão destas
moléculas com as mãos (quiromancia, lembra?). Olhe
para suas mãos: a direita e esquerda são muito
similares, mas não são idênticas. Por mais que você
se esforce, não consegue sobrepô-las - não há como
colocar uma sobre a outra, perfeitamente - os dedões
ficam em lados opostos!. O mesmo acontece com as
moléculas quirais
- moléculas não superponíveis com sua imagem no
espelho. Um centro de
quiralidade é definido como um átomo que
possui um conjunto de ligantes cujo arranjo espacial
não é superponível com sua imagem no espelho.
Em compostos orgânicos, é um carbono de hibridização
sp3 que está ligado a
quatro átomos ou grupos diferentes.
A molécula 2-bromobutano é um exemplo. O carbono
ligado ao bromo (C2) é um centro de quiralidade,
pois está ligado a quatro grupos diferentes:

A mistura formada por quantidades equimolares dos
estereoisômeros é chamada de
racemato. A maior
parte das rotas sintéticas da química orgânica leva
à produção de racematos, e não somente de um dos
enantiômeros. Se este for o objetivo, a rota é
sempre mais complicada e demanda mais tecnologia.
Enantiômeros são
moléculas que são imagens no espelho uma da outra e
não são superponíveis.
Diasteroisômeros
são estereoisômeros que, ao contrário dos
enantiômeros, não possuem uma relação objeto-imagem
especular.
Embora a diferença entre os enantiômeros pareça
irrelevante, estes compostos podem apresentar
atividade biológica completamente diferentes.
A maioria das moléculas
presentes na estrutura dos organismos vivos são
quirais. Dos vinte amino-ácidos de nosso
organismo, os blocos que compõe as proteínas, 19
estão na forma L. O único que não está na forma L é
a glicina - só porque não é um composto quiral. Daí
se observa a relevância da quiralidade em organismos
vivos. |
pesquisa, tornando os atuais genéricos uma coisa do passado:
a estereoseletividade já é uma tecnologia dominada por
grande parte dos maiores laboratórios. Tudo graças ao
trabalho de pesquisa de muitos químicos, que há tempos
desenvolvem rotas sintéticas estereoseletivas e métodos de
separação enantiomérica, hoje aplicados na indústria.
Atividade Biológica |
Os estereoisômeros podem apresentar atividades
biológicas diferentes: um deles pode ser muito
ativo, e o outro inativo ou fracamente ativo. As
ilustrações abaixo mostram como a orientação
espacial de uma molécula é importante na interação
com o seu receptor biológico.

Neste caso, somente o primeiro enantiômero possui a
configuração correta para o receptor: quando os
grupos A estão em trans a molécula não "encaixa" com
o sítio receptor.

Neste caso, o grupo C do segundo enantiômero está em
uma posição desfavorável à interação com o receptor.
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O fármaco conhecido como clorazepate era vendido, até 1998,
por $11 cada frasco com 500 tabletes do racemato. A empresa
italiana Profarmaco passou a produzir um enantiômero puro do
mesmo fármaco e, hoje, esta droga é vendida por $377 por
frasco. O mesmo aconteceu com o lorazepam, cujo racemato é
vendida por $7,30 e o enantiômero puro a $191,50, nos EUA.
Ambos os racematos já possuem patente por quase 20 anos, ou
seja, logo irão para os genéricos. Os enantiômeros puros,
por outro lado, acabaram de ser lançados no mercado, e os
preços continuaram exorbitantes por muito tempo. Por
enquanto, barato só o racêmico - como, na maioria das vezes,
apenas um dos enantiômeros tem atividade biológica,
continuaremos a engolir boa parte de B.O. juntamente com a
substância ativa...
Em alguns casos, o racemato pode provocar efeitos colaterais
não observados com apenas um dos enantiômeros - é o caso das
glitazonas, drogas utilizadas no tratamento da diabetes tipo
II. O fármaco consiste da mistura de 4 diasteroisômeros da
substância. Uma pequena porcentagem dos pacientes que tomam
estas drogas acabam sendo acometidos de uma grave lesão
hepática, podendo levar à morte. Estudos mostraram que
apenas 2 dos quatro diasteroisômeros provocam esta lesão. O
laboratório Parke-Davis já está produzindo uma nova versão
da droga, sem os isômeros "ruins". O preço, obviamente, é
bem maior.
A indústria se vale de métodos descobertos na pesquisa
acadêmica. Em qualquer jornal de química orgânica dos
últimos 10 anos é possível se encontrar artigos relatando
alguma rota sintética estereoseletiva. Além de aprimorar os
métodos de síntese, as técnicas para separação de
estereoisômeros também estão sendo aperfeiçoadas ano a ano,
graças ao trabalho incessante de pesquisadores do mundo
inteiro.
Exemplos de sínteses
estereoseletivas
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As técnicas para a síntese enantioseletiva são
recentes. Um professor de química orgânica da
Stockholm University, Jan Backwall,
combinou a ação de uma enzima lipase e um
catalisador de metal de transição (Ru2L),
para a produção de um éster com pureza
enantiomérica de 100%. No processo, a enzima
lipase catalisa a acilação de um dos enantômeros
com muito mais rapidez do que do outro. O
catalisador racemiza continuamente o enantiômero
do álcool não desejado, que novamente é acilado
pela enzima. No final do processo, obtém-se
apenas o enantiômero desejado.
Seu trabalho foi publicado no Journal of
America Chemical Society,
121, 1645 (1999)
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Os
professores de química orgânica E. J. Corey,
da Harvard University, e Amir Hoveyda, do
Boston College, chegaram, independentemente, a
sínteses de alfa-amino ácidos com pureza
enantiomérica. Corey utilizou uma base de Schiff
do benzaldeído com benzidrilamina. Esta base, ao
reagir com ácido cianídrico na presença de um
catalisador, resulta na
(R)-fenilglicina, com uma excesso
enantiomérico >96%. Este trabalho foi publicado
no Organic Letters, 1, 157 (1999).
Na síntese feita por Hoveyda, o substrato é a
base de Schiff do p-anisaldeído e benzidrilamina,
que reage com cianeto de trimetilsilano,
resultando no amino nitrila correspondente ao
(S)-p-metoxifenilglicina,
com excesso enantiomérico >99%. Este trabalho
foi publicado no Journal of America
Chemical Society, 121, 4284 (1999). O
catalisador foi descoberto pela técnica de
química combinatória
(ver
artigo no QMCWEB).
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Estereoisômeros e a Vida |
A maioria dos compostos no organismos vivos
são quirais, incluindo o DNA, enzimas,
anticorpos e hormônios. Cada enantiômero tem
características diferentes. O limoneno
é um exemplo clássico: enquanto que a forma
R apresenta o odor de laranjas, a forma S
apresenta o odor de limão!
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R-(+)-limoneno
laranja |
S-(-)-limoneno
limão |
A atividade de fármacos também depende
da quiralidade: a talidomida, por
exemplo, causou a má formação de
milhares de fetos, quando administrada,
na década de 1960, a várias gestantes.
Descobriu-se que apenas um dos
enantiômeros, entretanto, causava a má
formação congênita, enquanto que o outro
não era prejudicial

o carbono marcado é um centro de
quiralidade
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Vários pesquisadores do Japão também
estudam sínteses estereoseletivas. Na
University of Tokio, Masakatsu
Shibasaki, um químico professor no
curso de farmácia, desenvolveu uma
reação de condensação aldólica
assimétrica direta, sem passar pelo
derivado enólico, com o uso de um
catalisador que é um trímero de um sal
de lítio-lantânio do binaftol. No
exemplo, o
b-fenilpivalaldeído
reage com metil etil cetona, resultando
no produto aldólico assimétrico, com 94%
de excesso enantiomérico. Shibasaki
também obteve bons rendimentos e excesso
enantiomérico a partir de ciclopentanona
com vários aldeídos e de hexanal com
várias cetonas. Este trabalho foi
publicado no J. Am. Chem. Soc.,
121, 4168 (1999).
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Outra
síntese desenvolvida por Corey é a do
(5S)-trimetilsilil-2-ciclohexenona. A síntese inicia
com
anisole,
que é convertido ao trimetilsililciclohexenol (Org.
Lett., 1, 811 (1999)). A assimetria é
induzida por uma enzima lipase, que acetila um dos
estereoisômeros preferencialmente em relação ao
outro. A remoção do grupo acetila, oxidação do
álcool resultante e isomerização da ligação dupla dá
o produto desejado.
Este mesmo produto é vendido comercialmente pela
Daiso Co., de Osaka, no Japão. O método, entretanto,
é diferente, e foi desenvolvido por Fumie Sato, do
Tokyo Institute of Technology. Sato adiciona mais
dois carbonos à molécula inicial, com um reagente de
Grignard vinílico (J. Am. Chem. Soc.,
121, 3540 (1999)). Após converter o grupo hidroxila
a um tributilsililóxi, ele cicliza esta molécula,
formando o (5S)-tributillsililóxi-2-ciclohexenona.
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