A primeira vista pode parecer curioso para
um leigo a presença de um aparelho de micro-ondas em um
laboratório de química. Ele se questiona:
-
Será que eles esquentam a comida aqui dentro do laboratório?
A resposta é não. Tem sido um fato cada vez mais comum
encontrarmos em laboratórios de síntese aparelhos de
micro-ondas, tanto domésticos quanto especializados (Figura
1). Estes utensílios têm roubado o lugar de muitas placas
aquecedoras como explica o artigo publicado na revista
Chemistry World
em outubro de 2008.
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FIGURA 1:
a) forno de micro-ondas doméstico; b) – aparelho de
micro-ondas para síntese química |
Como isso tudo começou?
Em 1945, na cidade de Cambridge, Massachusetts, EUA, o
Engenheiro Americano Percy Spencer trabalhando na empresa
Raytheon, fabricando magnetrons para radares, percebeu que
uma barra de chocolate derreteu em seu bolso quando ele se
aproximou de radares em funcionamento. Dado a descoberta e
sagacidade para perceber o quão patenteável era o
acontecimento, Spencer colocou um pouco de milho de pipoca
perto do local onde o chocolate derreteu. Qual foi sua
surpresa, quando depois de algum tempo o chão do laboratório
ficou coberto de pipocas.
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FIGURA 2:
Spencer em frente ao primeiro equipamento de
micro-ondas
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Desde então, a utilização do forno de micro-ondas como um
método alternativo ao aquecimento clássico mostrou ser uma
poderosa ferramenta para o desenvolvimento de novos e
eficientes métodos de síntese de diversos compostos.
Entretanto, existe algo que de fato preocupa os cientistas.
Como as micro-ondas agem sobre as moléculas em uma reação
química? Existem aqueles que acreditam que há algo além de
sua influência no aquecimento. Uma magia?
Todos os fornos de micro-ondas funcionam sobre o mesmo
princípio; fornecem energia diretamente às moléculas,
diferentemente de outros métodos de aquecimento, como os
banhos de óleo, que se baseiam na propagação, convecção e
condução da energia em forma de calor.
Em um meio de reação, os dipolos, como os que existem nas
moléculas de água, oscilam para se alinharem com o campo
elétrico gerado pelo micro-ondas a uma freqüência de 2,45
GHz (~ 2.4×10-9 s-1). Estes movimentos
das moléculas excitadas perturbam as outras moléculas, não
excitadas, de modo que o conjunto é aquecido através das
colisões geradas (Figura 3).
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FIGURA 3:
Mecanismo de transformação de energia,
polarização dipolar
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Através do conhecimento mecanístico da interação das
micro-ondas com as moléculas foi possível explicar a rapidez
das reações químicas submetidas ao aquecimento por
micro-ondas quando comparadas àquelas aquecidas pela
metodologia convencional.
Reações químicas ocorrem mais facilmente e rapidamente em
micro-ondas, pois os solventes polares, quando submetidos às
micro-ondas, se aquecem acima do ponto de ebulição, devido
ao efeito de transferência invertida do calor. Logo,
qualquer reação que requer aquecimento pode ser realizada
pelo método de aquecimento do forno de micro-ondas.
Recentes inovações têm contribuído para o uso mais
eficiente das micro-ondas em alguns métodos
experimentais. O grupo de pesquisa da Universidade
Connecticut, coordenado por Nicholas Leadbeater,
utilizou técnicas espectroscópicas para o monitoramento
da reação em tempo real. Neste caso, não é necessário
esperar que a reação se complete para analisar se o
produto formado é realmente o produto desejado. A
utilização de diversas placas de carboneto de silício
nos fornos de micro-ondas é outra novidade interessante,
pois possibilita a execução de diversas reações
simultâneas e com aquecimento uniforme ao longo do
processo (Figura 4).
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FIGURA 4:
Imagem sob irradiação infravermelha das placas de
carboneto de silício utilizada para reações
simultâneas. |
Atualmente, o forno de micro-ondas possui uma significância
além de sua função original. Atingindo áreas como a química
inorgânica e química orgânica, além de seguir para as
biociências, já dominando a síntese de peptídeos,
nanopartículas e polímeros. Trata-se de um método
ecologicamente correto, barato e rápido.
Contudo, a interação micro-onda – molécula ainda não foi
completamente desvendada. Tudo o que se sabe é que apesar
dos debates atuais, o efeito térmico das micro-ondas oferece
vantagens exclusivas que podem ser incansavelmente
exploradas.
Referências
Bibliográficas
Van Noorden,
R. Microwaving myths.
Chemistry World
2008, 5(10), 40. Disponível em: <http://www.rsc.org/images/MICROWAVE%20FEATURE_tcm18-134356.pdf>.
Acesso em 30 janeiro 2009.
Figuras 1:
Disponíveis em: <http://aavaas.com/2007/10/25/microwave-oven-introduction>
e <http://www.rsc.org/images/MICROWAVE%20FEATURE_tcm18-134356.pdf>.
Acesso em 30 janeiro 2009.
Figura 2:
Disponível em: <http://www.inventionatplay.org/inventors_spe.html>.
Acesso em: 30 janeiro 2009.
Figura 3:
Adaptada de: <http://www.pueschner.com/basics/phys_basics_en.php>.
Acesso em: 30 janeiro 2009.
Figura 4:
Disponível em: <http://www.rsc.org/images/MICROWAVE%20FEATURE_tcm18-134356.pdf>
Acesso em: 30 janeiro 2009.
Alvarez,
H. M.; Valdés, R. H.; Garcia, B. G.; Antunes, O. A. C.
Martins, D. L. As microondas como alternativa na síntese
química. Diálogos
&
Ciência – Revista da Rede de Ensino,
2008, 7, 49.
Disponível
em: <http://dialogos.ftc.br/index.php?option=com_content&task=view&id=151&Itemid=4>.
Acesso em: 14 fevereiro 2009.
Aprofundando o Assunto
Kappe, C. O., Chem. Soc. Rev., 2008, 37,
1127 [CrossRef]
F. C. Silva; V. F. Ferreira; M. C. B.V.
Souza. Adaptação de forno de microondas doméstico para
realização de reações de transesterificação sob refluxo e
catálise por argilasQuím.
Nova,
2006,
29
(2): 376. [CrossRef]
Veja o vídeo disponível em: <http://videos.howstuffworks.com/on-networks/31222-lets-nuke-some-eggs-video.htm>.
Acesso em: 30 janeiro 2009.
Para citar esta matéria:
Bianca N. M. da Silva, Micro-ondas, a nova macro onda nos
laboratórios de química, Novidades na Ciência – SBQ
Rio, 18 fevereiro 2009. Disponível em: <http://www.uff.br/sbqrio/>
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