Imagine uma
formiga convidando suas amigas
para um almoço num lugarzinho especial que ela acabou de descobrir.
Ou então, algumas mariposas preparando-se para sair à noite,
atraídas por sexo e vôos mais altos.
Ou cupins correndo e gritando em
pânico, avisando que o tamanduá assassino está rondando a
vizinhança e vai atacar novamente.
Com um pouco de "conversa" e união, as formigas logo
vencem o obstáculo
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Insetos que conversam,
têm desejos sexuais e outros sentimentos "humanos" parecem
personagens coloridos e imaginários extraídos das fantasias de um
filme de Walt Disney. A Natureza, entretanto, é ainda mais criativa
e maravilhosa que os próprios desenhos animados.
Como as formigas reconhecem qual o
caminho até o alimento e a volta para o formigueiro?
Porquê após um marimbondo aferroar sua vítima vários outros
marimbondos aparecem "enfurecidos" e prontos a atacar? Qual o
momento certo para os besouros copularem?
Todos
os seres vivos mantêm profundas interações com o meio em que vivem,
assegurando-lhes oportunidades de sobrevivência (através da
disponibilidade de alimentos e defesa contra predadores) e de
preservação da espécie (a partir da reprodução e geração de
descendentes). Ao longo da evolução, insetos e outros animais
desenvolveram uma comunicação
química característica, utilizada para a transferência de
informações entre indivíduos da mesma espécie ou entre espécies
diferentes. De um modo geral, esta comunicação funciona a partir da
emissão de substâncias químicas produzidas por um indivíduo (p. ex.,
um inseto), seguido da detecção por outro indivíduo (outro inseto),
através de sensores ou receptores moleculares (pequenos "narizes",
normalmente localizados nas antenas dos insetos).
Da necessidade de se investigar o comportamento e as relações entre
os seres vivos a partir de interações moleculares nasceu a
Ecologia Química, uma área
de pesquisa que envolve químicos, biólogos, agrônomos e
pesquisadores afins. Estes profissionais estão unidos no propósito
de desvendar os intrincados mecanismos de comunicação entre os
insetos. Em outras palavras, querem aprender
uma das várias linguagens que a
Natureza criou.
Feromônios [do grego pherein (=
transferência) + hormon (=excitar)] são substâncias
excretadas por organismos vivos e detectadas por outros indivíduos
da mesma espécie, produzindo mudanças de comportamento específicas.
Estes compostos, portanto, atuam na comunicação intraespecífica
(entre membros de uma mesma espécie). Como exemplos, podem ser
citados os feromônios sexuais (provocam a atração entre macho
e fêmea), os feromônios de alarme (produzem estado de alerta
pela aproximação de algum predador natural) e os feromônios de
trilha e oviposição (demarcam, respectivamente, o caminho até
uma fonte de alimentos e o local onde os ovos foram depositados).
Já as substâncias químicas empregadas na comunicação entre espécies
diferentes (interespecíficas) são chamadas de aleloquímicos e
são divididos em alomônios (favorecem a espécie emissora),
cairomônios (favorecem a espécie receptora) e sinomônios
(ambas são favorecidas). Os alomônios geralmente são compostos
utilizados para a defesa da espécie, enquanto os cairomônios são as
substâncias produzidas por uma presa e que são percebidas pelo
predador. Estas substâncias químicas utilizadas para a comunicação (feromônios,
alomônios, cairomônios, etc.) são denominadas genericamente por
semioquímicos [do grego
semion (= marca ou sinal)].
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O
comportamento sexual dos animais e
insetos, em especial a atração exercida pelas fêmeas
sobre os machos de uma mesma espécie, sempre despertou a curiosidade
de pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento. O
interesse científico pela comunicação olfativa evidenciou-se na
década de 50, através do isolamento e identificação química do
primeiro feromônio sexual de inseto. Em um trabalho realizado ao
longo de vinte anos e utilizando milhares de insetos para este fim,
os pesquisadores extraíram cerca de 12 mg de um feromônio da
mariposa do bicho-da-seda Bombyx mori.
A substância foi identificada como sendo o
(10E,12Z)-hexadeca-10,12-dien-1-ol (bombicol), e é produzida
pela mariposa-fêmea para atrair os machos para o acasalamento.
No
final da década de 60 foram isolados e identificados os
primeiros feromônios quirais,
como por exemplo o acetal cíclico exo-brevicomina, feromônio
de agregação do besouro Dendroctonus
brevicomis. Desde então, centenas de feromônios têm
sido isolados e caracterizados, com estruturas que vão desde álcoois
e hidrocarbonetos de estrutura simples, até compostos polifuncionais
mais complexos, como a periplanona-B, feromônio sexual da
barata Periplaneta americana.
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A
sensibilidade apresentada por alguns insetos frente a atividade de
determinados feromônios é algo impressionante. Quantidades ínfimas
de feromônio (picogramas) são suficientes para atrair insetos
localizados a centenas de metros de distância. De modo semelhante,
uns poucos miligramas de
periplanona-B podem atrair milhões de baratas!
Além de promover uma melhor compreensão dos mecanismos de
comunicação entre os insetos, o interesse crescente pelo estudo dos
feromônios possibilita outras aplicações interessantes. A
classificação taxonômica de várias espécies (família, gênero, etc.)
tem sido revisada, tomando-se por base a produção de semioquímicos
da espécie. Além disso, a aplicação de feromônios na agricultura,
seja como forma de monitoramento populacional ou em armadilhas de
captura de insetos, é hoje uma realidade cada vez maior na busca por
formas racionais de controle de pragas.
Entretanto, a grande dificuldade no estudo de feromônios
(isolamento, identificação e aplicações específicas) reside no fato
dessas substâncias naturais serem produzidas pelos organismos em
quantidades extremamente baixas e junto com vários outros compostos
inativos, mas quimicamente semelhantes. Além disso, na maioria dos
casos os feromônios são substâncias voláteis e/ou instáveis e de
difícil manipulação. Técnicas analíticas sofisticadas têm sido
empregadas para a determinação da estrutura de vários feromônios,
destacando-se a cromatografia a gás acoplada a outros instrumentos
(espectrômetro de massas, infravermelho, ultravioleta e ressonância
magnética nuclear). Em alguns casos, uma amostra de alguns
nanogramas, obtida a partir de um único inseto, pode ser suficiente
para uma análise eficiente.
A síntese de feromônios em
laboratório é hoje uma área em expansão na química
orgânica, permitindo não só a caracterização total dos feromônios
naturais isolados (através da comparação de propriedades físicas e
químicas conhecidas), mas também fornecendo material em quantidades
suficientes para estudos na área de entomologia e na agricultura.
MANICONA E OUTROS FEROMÔNIOS DE
FORMIGAS |
As
secreções provenientes das glândulas mandibulares de formigas são
ricas em feromônios. Estes compostos voláteis têm um papel
importante nos comportamentos de alarme e defesa de várias espécies
de formigas. A composição química dessas glândulas é específica para
cada espécie, e muitas vezes pode ser utilizada para distinguir
espécies similares morfologicamente.
A formiga Manica rubida
Latr. (Hymenoptera: Formicidae, Myrmicinae) tem sido classificada no
gênero Myrmica durante muito tempo. Contudo, as secreções das
glândulas mandibulares de M. rubida possuem odor
significantemente diferente daquele proveniente das glândulas de
outras espécies de Myrmica. Dessa forma, investigações
detalhadas recentes suportam a mudança do gênero Myrmica para
o gênero Manica.
Para a elucidação estrutural dos constituintes da glândula
mandibular de M. rubida, várias cabeças da espécie foram
cortadas e as glândulas foram isoladas e analisadas por técnicas de
cromatografia a gás e
espectrometria de massas. Desse estudo, quatro cetonas
a,b-insaturadas 1-4 foram
identificadas, sendo a manicona 1 a substância encontrada em
maior proporção. Outros compostos também foram identificados, em
menor proporção, como as cetonas 5 (R = H, CH3,
C2H5),
acetaldeído, isobutiraldeído, acetona, álcool benzílico e
isopentanal, entre outros. Técnicas de micro-derivatizações
associadas à síntese enantiosseletiva da manicona 1 confirmaram a
estrutura proposta e a configuração absoluta do carbono metínico
como sendo (S).
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Vários
laboratórios pelo mundo trabalham ativamente na síntese e
caracterização estrutural de aleloquímicos. Sem dúvida, o grupo do
Prof. Kenji Mori, no Japão, é o que mais tem contribuído
nessa área, com centenas de trabalhos científicos publicados e
dezenas de feromônios sintetizados desde a década de 60.
No
Brasil, boa parte da pesquisa aplicada em agricultura e manejo
integrado de culturas é comandada pela EMBRAPA. O isolamento,
elucidação estrutural e síntese de feromônios e outros aleloquímicos
tem sido realizado de forma cada vez mais consolidada por diversos
grupos de pesquisa no país, situados em várias universidades:
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP), Universidade Federal de
Viçosa (UFV) e Universidade Federal do Paraná (UFPR),
entre outras.
O Brasil possui áreas enormes para cultivo ("o celeiro do mundo"),
por isso torna-se de fundamental importância
incentivar linhas de pesquisa
dirigidas ao estudo da ecologia química brasileira e ao
desenvolvimento de técnicas modernas de utilização de feromônios na
agricultura.
humor
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:) Enquanto isso, na floresta...
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Referências Biográficas
1-)
Kenji Mori, o químico japonês que sintetiza feromônios há décadas,
em excelentes reviews:
Tetrahedron 1989, 45, 3233.
Chem. Commun. 1997, 1153.
Eur. J. Org. Chem. 1998, 1479.
2-) Vilela, E.; F.; Della Lucia, T. M. C. Feromônios de Insetos,
Editora UFV, Viçosa, 1987.
3-) Zarbin, P. H. G.; Ferreira, J. T. B.; Leal, W. S. Química Nova
1999, 22, 263.
4-) Ferreira, J. T. B.; Correia, A. G.; Vieira, P. C. Produtos
Naturais no Controle de Insetos; Editora da UFSCar; São Carlos,
2001.
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