O sal na cozinha
Por que precisamos ingerir
sal?
Nossas células precisam dele
o tempo todo, uma vez que o sódio é um
importante controlador. No transporte ativo[7],
ocorre a passagem de substâncias através das
membranas celulares. Este transporte se dá por
um mecanismo denominado bomba de sódio, o qual
ocorre quando íons como o sódio (Na+)
e o potássio (K+) têm que atravessar
a membrana contra um gradiente de concentração.
Figura 9
– Bomba de sódio e a representação das entradas
e saídas de espécies químicas da célula
fonte:
http://www.mie.utoronto.ca/labs/lcdlab/biopic/biofigures.htm
Encontramos concentrações
diferentes, dentro e fora da célula, para o
sódio e o potássio. Na maioria das células dos
organismos superiores a concentração do íon
sódio é bem mais baixa dentro da célula do que
fora desta. O íon potássio apresenta situação
inversa, ou seja, a sua concentração é mais alta
dentro da célula do que fora.
Ingerindo de seis a oito
gramas de cloreto de sódio por dia, conseguimos
manter o equilíbrio do corpo, isto é, um balanço
ideal dos nutrientes e de água dentro das
células. Com relação ao íon cloro, este é
fundamental para o funcionamento e manutenção do
organismo. A quantia sugerida de ingestão de
cloreto varia de 750 a 900 miligramas (mg) por
dia, faixa baseada no fato de que a perda total
de cloreto está na média de 530 mg por dia. Uma
importante ação desempenhada pelo cloro é a sua
participação na formação do ácido clorídrico do
estômago, o qual tem como função a digestão dos
alimentos.
Patologias associadas a falta
de cloro são raras. Contudo, quando instauradas,
podem ocasionar problemas sérios, como a
alcalose sanguínea. Há um equilíbrio bastante
sensível do pH sanguíneo. Este deve estar em uma
faixa que varia entre 7,37 a 7,44.
Um desequilíbrio do pH pode acontecer
devido à perda excessiva de minerais através da
transpiração. Sintomas incluem fraqueza nos
músculos, perda de apetite, irritabilidade e
desidratação.
Sem o íon cloreto, o corpo
humano não poderia administrar as transmissões
nervosas, o movimento de músculos ou manter os
rins em funcionamento.
De que
forma sentimos o sabor salgado?
Nós humanos reconhecemos
basicamente 5 tipos de gostos: doce, salgado,
umami, amargo e ácido. Dos cinco citados, o
menos conhecido é o ‘umami’, que se refere ao
sabor de certos aminoácidos (e.g., glutamato,
aspartato, entre outros). Foi o japonês Kikunae
Ikeda, da Universidade Imperial de Tóquio, quem
no início do século XX caracterizou o gosto
umami como um sabor inimitável por qualquer
combinação dos quatro sabores básicos. Ikeda
também determinou, a partir da análise
bioquímica de alimentos ricos no sabor, como o
atum e o caldo de carne, que o principal
elemento responsável pelo sabor umami é o
glutamato (vendido como Aji-no-moto ou Sazon), o
mais comum dos vinte aminoácidos - os
‘bloquinhos’ que constituem as proteínas -
essenciais à vida humana.
Abaixo, são colocadas as mais
famosas espécies químicas que representam os
cinco gostos.
Figura 10
– Moléculas representantes dos cinco tipos de
gosto.
Tratando especificamente do
sabor salgado, podemos dizer que estamos diante
de uma complexa interação bioquímica que ocorre
em nossa língua. De maneira simplificada,
podemos afirmar que a sensação de salgado se dá
em função do íon sódio entrar nas células
receptoras via canais de sódio (sódio
amilorida-sensíveis – ASSCs). Isto causa uma
despolarização que se propaga pelo nervo
aferente primário (veja Figura 11)
Figura 11
– Esquema da sensação de salgado
As sensações de doce e
salgado estão localizadas, principalmente, na
ponta da língua, a sensação de azedo nas porções
laterais e a sensação de amargo, sobre a região
posterior (veja Figura 12).
Figura 12
– Principais regiões da língua e a relação com a
percepção do gosto
Essa é uma visão muito
simplificada do processo de reconhecimento de um
gosto, pois a sensibilidade gustativa está
distribuída por toda a cavidade oral. Contudo,
verifica-se que algumas áreas são especializadas
para um determinado sabor.
Segundo a lógica de sinalizar
a presença na boca de nutrientes necessários
(açúcar, sais minerais e ácidos) ou substâncias
tóxicas e indesejáveis (em geral amargas), faz
sentido existir um gosto básico sensível ao
componente mais comum das proteínas, como é o
caso do umami. Resumindo em poucas palavras: a
natureza é sábia.
Por que as
azeitonas devem ser curadas em sal?
Recém colhidas, as azeitonas
possuem um sabor amargo muito forte em função da
presença da oleuropeína, um composto orgânico
presente em sua polpa.
Figura 13
– A oleuropeína.
Colocadas por alguns meses em
salmoura[8],
em uma determinada temperatura, começa a
fermentação láctica, que transforma os açúcares
presentes na azeitona em ácido láctico[9].
Esta produção de ácido diminui o pH,
proporcionando a conservação. A salmoura também
tem a função de diluir a oleuropeína, dando à
azeitona um sabor agradável.
Truque
doméstico
Um truque doméstico faz com
que você não precise espancar o saleiro quando
quiser utilizá-lo em seu prato. Basta adicionar
alguns grãos de arroz e o saleiro terá seu
funcionamento garantido.
Figura 14
– Truque do saleiro
O cloreto de sódio é um sal
que tem como propriedade característica a
absorção da umidade. Com isto, retirá-lo do
saleiro se torna uma missão impossível em dias
úmidos. Além de promover uma separação física
dos grãos de sal, o arroz ainda absorve um pouco
de umidade, bem menos que o sal, mas isso acaba
ajudando também.
Gelando a
cervejinha...
Quase tudo pronto para uma
refeição deliciosa. Imagine um belo churrasco em
um domingo de sol intenso. Um dia de calor nos
convida a tomar bebidas geladas, certo? Mas o
dia está muito quente e a bebida não está gelada
o suficiente. Algum conhecimento químico pode
nos ajudar nesta situação? Haverá uma
possibilidade de deixarmos as bebidas mais
geladas? A resposta para as duas perguntas é
sim! Podemos jogar sal junto ao gelo. Ele
alterará as temperaturas em que a solução
formada muda de estado físico. A este fenômeno
se dá o nome de efeito crioscópico.
Figura 15
– Cerveja mais gelada através do efeito
crioscópico
O sal forma uma mistura com o
gelo e esta tem um ponto de fusão inferior ao do
gelo puro, podendo formar uma mistura eutética[10]
dependendo da quantidade de sal adicionado.
Mesmo sem a formação da mistura com ponto de
fusão constante, a adição de sal faz com que o
gelo derreta, num primeiro momento, em função do
abaixamento do ponto de fusão, tornando a água
líquida, a qual conduz melhor o calor do que o
gelo (em função da maior superfície de contato
com a bebida e também em função da própria
característica do estado físico em conduzir
melhor o calor). Isto faz com que a energia
térmica da bebida seja ''removida'' com maior
velocidade em relação ao gelo puro, fazendo com
que a bebida fique mais gelada em menos tempo.
É interessante notar que o
sal é usado porque está sempre à mão em uma mesa
de bar ou em casa, além de ser um produto
relativamente barato. Mas ele pode ser
substituído por qualquer outro pó solúvel em
água, como o açúcar, por exemplo.
Sal Marinho
x Sal Grosso
Os sais refinados, após a
extração, passam por uma lavagem, são moídos,
centrifugados e secos em altas temperaturas. Em
seguida, as impurezas são extraídas por
peneiração e são adicionados compostos
antiumectantes[11]
a fim de torná-lo bem solto, além de uma dose de
iodato de potássio, exigido pela legislação
brasileira, para prevenir o bócio, uma doença
que ocorre na tireóide em função da diminuição
ou ausência de iodo no organismo. O sal grosso
sofre um processo de recristalização[12]
mais lento, o que explica a formação de cristais
maiores.
A denominação “sal marinho”
nem sempre quer dizer que ele saiu do mar, mas
também que não passou por nenhum procedimento de
refinação, somente a adição de iodo. Um fato
interessante é a valorização pelos chefs
da chamada “flor de sal”, uma camada fina de
cristais que se forma na superfície das salinas,
a qual dizem ter um sabor inigualável.
Bebendo a
água do mar
No filme “O Náufrago” (título
original: Cast Away) vemos uma cena em
que o ator Tom Hanks vai para alto mar em busca
da salvação. Em um determinado ponto da viagem,
falta água devido às chuvas escassas e a
incapacidade do personagem em estocá-la. Chega a
ser até paradoxal esta cena, visto que o
personagem se encontrava rodeado por água. Por
que não podemos tomar água do mar?
Figura 16
– Cena do filme “O Náufrago”.
De maneira geral,
considera-se normal tomar água com até 5 g de
NaCl(aq) / kg de H2O. A
água do mar contém cerca de 7 vezes mais esta
quantidade. Se uma pessoa beber apenas água do
mar acabará morrendo, porque o organismo humano
não tem capacidade de eliminar todo o sal
ingerido. Para cada litro de água do mar,
necessita-se de dois litros de água para diluir
o sal. Nesta condição, a elevada concentração do
cloreto de sódio no organismo faria com que as
células liberassem água na tentativa de diluí-lo
(osmose[13]),
provocando um quadro de desidratação.
Cuidado com
os exageros
O consumo de sal é
importante, mas temos que tomar cuidado para não
exagerarmos, principalmente se este consumo
desencadear modificações em nossa pressão
sangüínea. A pressão, definida como
força/unidade de área, é uma grandeza física. A
pressão arterial, portanto, depende de fatores
físicos, como volume sanguíneo, por exemplo.
Figura 17
– A pressão do sangue.
Os primeiros comentários a
respeito dos efeitos do sal sobre a função
circulatória foram encontrados em antigos
manuscritos chineses. No entanto, as relações
entre o consumo de sal e pressão arterial
somente foram reconhecidas a partir do século
XX. Os indivíduos chamados de “sal-sensíveis”
apresentam predisposição maior ao
desenvolvimento de hipertensão em decorrência de
ingestão salina. Cerca de 30% a 60% dos
pacientes com hipertensão são “sal-sensíveis”.
Figura 18
–É recomendável verificar a pressão sangüínea
regularmente
O grupo de Guyton (veja
referências ao final do artigo), entre as
décadas de 60 e 70, mostrou o papel renal na
regulação da pressão arterial por longos
períodos, descrevendo o conceito de natriurese
pressórica[14],
em que os rins aumentariam a excreção de sódio
em resposta à elevação da pressão, e a
incapacidade de administrar este aumento levaria
à hipertensão. O desenvolvimento da hipertensão
(determinado pelo sal) deve-se, inicialmente, à
retenção de sódio e ao conseqüente acúmulo de
volume sanguíneo, elevando o débito cardíaco.
Modelos usando infusão de angiotensina II em
cães concomitantemente à sobrecarga salina
demonstram que a hipertensão se desenvolve
primariamente por retenção de água, com
conseqüente expansão do volume sangüíneo,
aumentando o débito cardíaco e, gradualmente, a
resistência periférica.
Este artigo não tem como
objetivo tratar do assunto hipertensão, pois é
uma patologia com múltiplas causas, inclusive
genéticas. Contudo, algumas considerações
genéricas sobre a ingestão do sal podem ser
feitas. Por exemplo, a maior ingestão de
potássio – dieta rica em vegetais e frutas
contendo 2 a 4 g de potássio/dia – pode ser útil
na redução da pressão e prevenção da hipertensão
arterial. Os substitutos do sal contendo cloreto
de potássio e menos cloreto de sódio são úteis
para reduzir a ingestão de sódio e aumentar a de
potássio. A esta mistura de cloretos de sódio e
potássio se dá o nome de SAL LIGHT. Segundo
Inmetro, o sal light é constituído por 50%
cloreto de sódio e 50% cloreto de potássio.
[7]
Transporte ativo: Diferentemente do
transporte passivo (osmose, por exemplo), o
transporte ativo requer energia para
ocorrer. Esta energia é proveniente das
ligações de fosfato da molécula de ATP
(adenosina trifosfato).
[8]
Salmoura: Solução contendo água
(solvente) e cloreto de sódio (soluto).
[9]
Ácido láctico: Composto orgânico de
função mista (ácido carboxílico e álcool) de
fórmula molecular C3H6O3.
Seu nome oficial é: Ácido 2-hidroxi-propanóico.
[10]
Mistura eutética: A mistura eutética
se comporta como um composto puro no que diz
respeito propriedade de ter uma
temperatura de fusão constante. No caso
da água e sal, forma-se uma mistura eutética
quando há cerca de 23,3% (em peso) de NaCl(s)
em água. A temperatura de fusão da mistura
fica em torno de - 22 ºC. Para maiores
detalhes,
clique aqui.
[11]
Antiumectante: Substância capaz de
reduzir a absorção de umidade.
[12]
Recristalização: Processo de
cristalização sucessiva de forma a purificar
uma substância ou a obter cristais mais
regulares de uma substância purificada.
[13]
Osmose: Passagem de um solvente
através de uma membrana semipermeável
separando duas soluções de concentrações
diferentes.
[14]
Nutriorese pressórica: Fenômeno
central do processo de excreção renal de
sódio e na regulação renal da pressão
arterial.